sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Venda de repotagens


Estava pesquisando na internet, e acabei achando esta reportagem sobre compra e venda de reportagens. Achei muito interessante e resolvi postar aqui.





02/09/2003 - 10h00

Mídia do PR vende R$ 6,4 mi de "reportagens"

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FERNANDO RODRIGUES
da Folha de S.Paulo, em Brasília

O governo do Estado do Paraná gastou R$ 6,418 milhões em 2002 com a compra de "reportagens" em 76 veículos de comunicação (68 jornais, 6 revistas e 2 colunas). O governador do Estado na época era Jaime Lerner (PFL). As operações são legais e estão registradas, embora a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) proíba essa prática em seu código de ética.

A Folha teve acesso a 187 notas fiscais que atestam as negociações. As informações foram tabuladas e checadas. O processo de apuração levou sete meses. Todos os envolvidos foram procurados, sendo que 67 foram localizados. Desses, um negou a venda de "reportagens", apesar de ter sido confrontado com documentos.

O Paraná é o sexto Estado mais rico do país, segundo o IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em 2002, gastou R$ 86,129 milhões com publicidade e propaganda --desse total, 7,43% (R$ 6,418 milhões) foram para "reportagens".

A existência de "matérias pagas", como se diz no jargão jornalístico, é uma prática disseminada no Brasil, sobretudo em publicações de pequeno e médio portes. O país não tem uma mídia regional forte nem com independência financeira. Parte dos jornais e das revistas aceita dinheiro para divulgar como "reportagem" informação de interesse de políticos ou empresas. Não havia registro até hoje, porém, de tantas "matérias pagas" comprovadas com notas fiscais como nesse caso do Paraná. Empilhada, a documentação tem quase meio metro de altura --as 187 notas fiscais, as planilhas de inserção dos textos, os processos de faturamento e as milhares de páginas com cópias dos textos.

O código de ética da ANJ condena a prática de venda de reportagens. A regra manda "diferenciar, de forma identificável pelos leitores, material editorial e material publicitário". A Folha é filiada à ANJ e cumpre essa determinação.

Todos os 120 veículos associados da ANJ devem seguir a regra. No Paraná, 13 jornais são filiados à ANJ. Quatro venderam reportagens em 2002 sem identificar para os leitores que se tratava de uma operação comercial. São eles: "Diário dos Campos" (Ponta Grossa), "Diário Popular" (Curitiba), "O Estado do Paraná" (Curitiba) e "Tribuna do Norte" (Apucarana). Ouvidos pela Folha, representantes dessas quatro publicações confirmaram as operação de venda de reportagens.

Apenas um veículo de circulação nacional está incluído na documentação das "matérias pagas" do Paraná: a revista "IstoÉ Gente", da Editora Três. Em duas edições veiculou reportagens sobre atrações turísticas paranaenses para as quais há notas fiscais cobrando R$ 500 mil pela "inserção". Desse valor, R$ 100 mil foram pagos de comissão à agência de publicidade que estava licitada para fazer o negócio, a Loducca.

A direção da "IstoÉ Gente" nega que tenham sido operações de venda de "reportagens". Seriam, diz a revista, casos de reimpressões de textos em forma de encarte para serem distribuídos pelo cliente (o governo Lerner).

Licitações legais

A operação de venda de "reportagens" é clara nos documentos. À exceção da "IstoÉ Gente", os proprietários e editores dos veículos ouvidos pela Folha confirmam os negócios. "Eu faço através de nota fiscal", diz Newton Della Bona, dono da revista "Panorama".

Cada processo de venda de "reportagens" contém três itens principais: 1) a nota fiscal do meio de comunicação que vendeu o espaço para a publicação do texto do governo estadual; 2) fotocópias do que foi divulgado no veículo; e 3) a nota fiscal da agência de publicidade que intermediou o negócio. Tudo está carimbado e conferido pelos então responsáveis no governo paranaense.

O material a que a Folha teve acesso está arquivado em dois lugares: no Tribunal de Contas do Estado do Paraná e na Procuradoria Geral do Estado do Paraná.

Todos os casos de "reportagens" pagas foram intermediados por três agências de publicidade: Loducca, Opus Múltipla e Master.

Ao fazer a intermediação, as agências exerciam um direito adquirido por meio de licitação pública. O governo paranaense fez uma concorrência para divulgação de "ações de governo" junto com publicidade. Aí estão embutidas as "matérias pagas". A comissão das agências foi de 20%, uma praxe no mercado publicitário. Do total de R$ 6,418 milhões gastos pelo governo, R$ 1,283 milhão foi para o cofre dos publicitários contratados --cujo trabalho foi apenas emitir as notas fiscais. Os textos eram produzidos pelos veículos ou pelo governo.

Tom laudatório

Há um tom laudatório a favor de Jaime Lerner nas "reportagens" vendidas. O então governador é dado como responsável por várias boas ações na mídia local.

"Lerner construiu 534 pontes em sete anos", publicou o "Jornal do Oeste", de Toledo, em 10 de março de 2002. Valor pago por essa e mais 22 "notícias", inclusive "Lerner recebe medalha de honra da Ucrânia": R$ 30 mil.

"Programas educacionais do governo reduzem em 21% o analfabetismo entre jovens", divulgou o jornal "A Notícia", em 14 de março de 2002, por R$ 1.600.

Como as reportagens falavam do governador paranaense, muitas vezes seus aliados também aparecem beneficiados pelas "matérias pagas". Por exemplo, em 18 de março do ano passado, o "Jornal Regional", de Loanda, publicou no alto de uma página: "Lerner e FHC inauguram pontes e pregam a união pela governabilidade". A nota fiscal descreve o valor do serviço "com chamada na capa" em cores: R$ 3.200.

Fani Lerner, mulher de Jaime Lerner, também teve sua imagem divulgada à custa de "matérias pagas". Em 24 de abril do ano passado, ela apareceu em foto ilustrando metade da primeira página do "Diário da Manhã", de Ponta Grossa. Na página 13, a "reportagem": "Fani Lerner é a mulher do ano". Por esse e outros textos, o jornal recebeu R$ 24 mil.

Apesar de venderem as "reportagens", alguns jornais têm slogans para autopromoção defendendo a ética jornalística. O "Jornal Caiçara", de União da Vitória, estampa na sua primeira página: "Professa a Verdade - Insinua o Belo - Advoga o Bem". Cobrou R$ 1.000 para publicar que o "Paraná gerou em fevereiro [de 2002] 5.511 empregos formais".

O "Impacto", de Santo Antônio do Sudoeste, apregoa em sua nota fiscal: "O jornalismo que valoriza a sua imagem". Na fatura, registra R$ 1.600 em troca de "divulgações de ações de governo".

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Entrevista

A entrevista a seguir foi realizada com a jornalista Bianca Giannini, repórter em economia.

1) Quais são as prioridades de uma revista na transmissão das notícias e informações aos seus leitores? Quais são os critérios para que uma matéria seja ou não aceita?

Diferente do que acontece nos jornais diários, onde as prioridades são as matérias factuais, mais quentes e nervosas, nas revistas a preocupação maior é dar um enfoque diferenciado e mais aprofundado a um determinado assunto, independente de ser um furo jornalístico ou não. Se conseguir dar um furo e ao mesmo tempo apresentar as informações completas, muito melhor. Há vários exemplos desse tipo, nas revistas brasileiras, nos últimos anos. Um dos mais recentes e marcantes foi a revista “Isto É Dinheiro”, em junho de 2005, que trouxe como reportagem de capa entrevista com a ex-secretária do publicitário Marcos Valério, Fernanda Karina Somaggio, que resultou no escândalo do mensalão.
Para que uma matéria seja ou não aceita em uma revista, dependerá muito do perfil de cada revista. Mas de maneira geral deve ser uma história bem contada, de assunto de interesse ao público a que ela se destina e bem apurada (embora nem sempre aconteça assim na prática). Um critério muito utilizado para que uma matéria entre em determinada edição é o chamado "rec" (recomendado), de interesse dos donos ou dirigentes da revista. Mas normalmente, a não ser que a revista seja muito picareta, há mais matérias de interesse editorial que as recomendadas.

2) Quais eram as estratégias da revista, na qual você trabalhou, para conquistar seu público alvo, e até que ponto estas estratégias e os demais interesses influenciavam no trabalho do jornalista?

A principal estratégia para conquistar o leitor deve ser sempre publicar assuntos de interesse desse público alvo e, certamente, bem escritos, de forma simples e direta. Além dessa condição básica, há estratégias comerciais, como usar nas matérias informações de empresas ou pessoas que possam trazer prestígio à publicação ou anúncios pagos. Por exemplo: uma revista pode falar sobre tendências da arquitetura e novos lançamentos da construção civil e na matéria, incluir informações e entrevistas de empresas ou arquitetos pré-determinados. É dessa forma que o trabalho do jornalista é influenciado, pois ele deixa de ter liberdade para escolher seus entrevistados. Também ocorre o contrário, onde uma determinada pessoa ou empresa faz parte da lista negra da revista e por isso não pode ser fonte para a matéria. Muitas vezes pautas são especificamente criadas para que interesses comerciais sejam defendidos.

3) Quais são os requisitos necessários para que um profissional seja um freelancer de sucesso?

Bons contatos, qualidade no texto e na apuração, pontualidade, comprometimento e disciplina, disciplina, disciplina..... nisso estão incluídos disciplina com os horários de trabalho e com a vida financeira (saber guardar dinheiro para os períodos de vacas magras, como fim de ano, férias, etc). Também é comum o profissional freelancer pegar mais serviços do que ele dá conta, por não saber dizer não. Outro problema: não saber dar preço. É preciso valorizar o próprio trabalho, mesmo sob o risco de perder uma determinada concorrência.

4) Ser freelancer e, acima de tudo, bom jornalista, se aprende de fato na faculdade?

Não. A faculdade é o ponto de partida. É lá que temos uma noção de como as coisas funcionam e, sobretudo, é onde devemos apurar o nosso senso crítico, ética e, claro, a técnica jornalística. Mas é no mercado, na lida diária, que o jornalista vai se aprimorando. Existe uma coisa que se chama feeling jornalístico, que infelizmente não se ensina na escola. A pessoa já tem naturalmente esse feeling ou aprende a desenvolvê-lo com a experiência.

5) Quais são os empecilhos que você encontrou para produzir matérias de qualidade, ou até mesmo com alto grau de fidelidade em relação aos fatos reais?

De variados tipos. Desde a secretária metida a besta, que acha que manda no chefe e barra o acesso, até aquele entrevistado que é amigo do diretor do jornal, que exige ler a matéria antes de ser publicada ou faz algum tipo de ameaça velada. A falta de infra-estrutura da empresa jornalística também pode prejudicar. A falta de carro, por exemplo, pode impedir que o repórter vá in loco conferir determinado fato, tendo que fazer uma apuração importante por telefone. Em vários casos a apuração por telefone não prejudica a qualidade da informação, mas em outros a presença física do repórter é fundamental. Chefe medroso também é um empecilho terrível para o jornalista. É fundamental contar com o apoio e a coragem da chefia para bancar determinadas matérias, como denúncia, por exemplo. A auto-censura também pode prejudicar a qualidade das matérias no que se refere à fidelidade aos fatos reais. É comum, por saber os interesses da empresa onde trabalha o jornalista deixar de incluir determinada informação, já se antecipando a uma possível censura da direção.
Gostaríamos de agradecer, além da jornalista Bianca Giannini por nos conceder esta entrevista, ao jornalista Gustavo Nolasco Barcelos, que possibilitou a realização desta.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Instituto Gutenberg e a Mídia Norte Americana

Navegando na internet a respeito de idéias que corroborassem com minha opnião a respeito da crítica de mídia internacional encontrei a opinião arrebatadora de Noam Chowsky através do Instituto Gutenberg. Pelo que pude perceber este Instituto atuou entre 1995 e 1997 e atuou como órgao crítico de mídia seguindo a seguinte ideologia:

"O Instituto Gutenberg nasce, homenageando o alemão que inventou os tipos móveis da imprensa, credenciando-se a ser um fiscal independente da mídia. Todas as pessoas e instituições que se aglutinam em torno do Instituto tem a defesa das liberdades democráticas incrustadas em seus currículos e zelam pela liberdade de imprensa como um valor da sociedade, tanto quanto a liberdade de expressão, de religião, de organização e os direitos individuais que dão sentido e força a uma nação civilizada."

Voltando a carta de Noam Chowsky, a imprensa internacional se mostra obrigada a mentir para exercer sua liberdade de expressão, mas até que ponto esse vício é saudavel?

O jornalismo em revista Norte Americano demonstra um sensacionalismo exagerado e uma visão essencialmente trivial da sociedade. Existe uma certa dificuldade para nós leitores identificarmos a importância das notícias que são apresentadas, chega a ser difícil até de entendermos o que fez tais banalidades serem publicadas e o que passou na cabeça dos editores. Essa sensação é completamente condizente com o ponto de vista de Noam.

Por fim encontrei a razão de ter encontrado mídia de tão baixa qualidade no exterior, a falta de uma crítica, de alguns sabios e atrevidos ombudsmans que mostrassem aos leitores o tempo que estão perdendo tentando adquirir cultura em tais fontes.

Noam Chomsky para o Instituto Gutenberg

O Instituto Gutenberg convidou o lingüista americano Noam Chomsky para colaborar com seu trabalho de crítica de mídia — e dele recebeu a correspondência transcrita abaixo. Para contextualizar a carta-artigo de Chomsky, esclarecemos que ele recebeu exemplares do nosso boletim e um prospecto em inglês, onde apresentamos nossa visão da imprensa americana: independente e obrigada à maior precisão por causa da reação da sociedade, com ações judiciais, contra o mau jornalismo. Chomsky discorda — como é de seu feitio de intelectual crítico da cultura dos Estados Unidos. Lingüista revolucionário, trabalhando no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Chomsky destacou-se como ativista dos direitos civis. Um dos últimos de seus muitos livros traduzidos no Brasil é Ano 501 — A Conquista Continua, Scritta Editorial, 1993, acerca dos 500 anos da América. Como crítico da mídia, Chomsky tem uma conexão com a revista Z.

Fiquei muito interessado ao ler a respeito do Instituto Gutenberg. Penso, entretanto, que o prospecto está muito próximo da auto-imagem que a mídia ocidental criou. Realmente, análises críticas da mídia são um fenômeno muito marginal nos países desenvolvidos, e praticamente não existentes na Europa. Nos Estados Unidos tem havido mesmo análises críticas que demonstraram extraordinária subserviência ao poder — em um certo sentido, isto é pior do que em estados totalitários e terroristas, dado que aqui dizer a verdade não produz o mesmo tipo de punição. No entanto, este trabalho, que já produziu milhares de páginas de documentação detalhada, está muito longe da grande divulgação, e raramente, caso acontecesse, seria publicado nos principais jornais tradicionais. Existe uma discussão crítica nas publicações jornalísticas, mas é muito limitada, e restrita a edições secundárias. Não se acharia nada aqui parecido com o apelo dos bispos brasileiros em 1988 pela democratização da mídia. A única referência a isso que eu conheço nos Estados Unidos é em um livro meu sobre a mídia nos Estados Unidos, baseado em conferências sobre radiodifusão canadense e que foi um best seller lá, mas literalmente não mencionado nos Estados Unidos em virtude de ser crítico da performance da mídia americana. Há muita ilusão a respeito deste assunto, mais ainda na Europa do que aqui.

A idéia de que pessoas dos Estados Unidos pudessem levar a mídia a julgamento é também errada — felizmente, em minha opinião. A mídia pode se engajar em enganos e distorções sem fim no interesse do poder, como de fato faz, sem qualquer forma pela qual o público pudesse reagir via tribunais; novamente, essas precauções em cdefesa da livre expressão, incluindo o direito de mentir e de enganar, são características do sistema americano, acredito eu, embora a liberdade de expressão que é formalmente garantida seja mais como mercadorias em um mercado semicapitalista: uma certa quantidade está disponível no princípio, e você pode conseguir tanto quanto puder comprar. Há diversos jornais que regularmente monitoram a imprensa, principalmente EXTRA!, o jornal da organização Justiça e Acurácia da Informação. Tem havido vários outros, mas qualquer esforço para fazer análise crítica de instituições tradicionais naturalmente opera com recursos muito limitados, e fracassaram por essa razão. Obrigado também pelo convite para colaborar. Em princípio, eu estaria interessado. Escrevo bastante a respeito desses tópicos, inclusive diversos livros e artigos, mas não estou seguro se esse tipo de material se enquadraria bem no formato que você tem em mente. Eu até sugiro que você contate várias pessoas que fazem trabalho de crítica séria sobre a mídia aqui, em destaque Edward Herman, na Universidade da Pensilvânia (Wharton School of Economics; ele é aposentado, mas mantém um escritório lá) e Robert McChesney, na Universidade de Wisconsin, no Departamento de Comunicações. Ambos fazem um trabalho importante sobre esse tema, e provavelmente teriam mais tempo disponível do que eu, dados os muitos compromissos que tenho em diversas outras áreas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Mídia manipula os três poderes

Nas últimas três décadas ele tem sido o mais implacável crítico da mídia no Rio Grande do Sul. Obviamente seus livros não viram notícia, mas circulam muito bem num meio influente. Isolado inicialmente, hoje ele tem a seu redor um grupo de professores e alunos que respondem pela maior produção de pesquisa em ciências sociais na PUC-RS. Formado em Teologia, Filosofia, Sociologia e Letras, pós-graduado em Psicologia da Comunicação, dá aula no pós-graduação da PUC-RS, coordena pesquisas, sem deixar de lado a atividade pastoral na periferia de Porto Alegre. Leia entrevista com Pedrinho Guareschi. De Elmar Bonés, no JornalJÁ (www.jornalja.com.br), de março de 2005


Qual é o foco do livro?

Guareschi. A gente está trabalhando muito a questão da educação. A tese central do livro é: sem uma educação para a mídia, nada feito...
O que é uma educação para a mídia?
Guareschi. As escolas devem incluir essa questão nos currículos, para ensinar a ler a mídia, a criticar e a entender a importância da mídia. A própria mídia que, pela constituição, tem um papel educativo, deve dar espaço para isso...
Hoje ela faz o contrário...

Guareschi. Sim, faz o oposto. Ela nunca diz, por exemplo, que os canais de rádio e televisão são concessões de um serviço público, não esclarece a diferença entre mídia impressa e mídia eletrônica, que são regidas por regulamentos completamente diferentes. A mídia impressa, jornais e revistas, é empresa privada, mas o rádio e a televisão são uma concessão de serviço público, que não pode ter dono. A mídia nunca diz também que há um direito do cidadão à comunicação, o artigo 19 dos Direitos Humanos assegura isso. Enfim, a mídia escamoteia uma série de informações e a escola também não esclarece. Resultado: o público ignora coisas essenciais sobre a mídia, que tanto influencia sua vida...


O público não conhece a mídia?

Guareschi. É isso. Na primeira parte apresentamos uma pesquisa, onde se revela uma ignorância generalizada sobre a mídia. A quase totalidade não sabe a diferença entre mídia eletrônica e impressa (98%, segundo a pesquisa), não sabe que os meios eletrônicos são concessões e não podem ter dono, não sabem que é um serviço público, etc.


O que vem a ser uma concessão?

Guareschi. As concessões são contratos celebrados pela União, que autorizam a utilização de uma faixa do espectro eletromagnético por onde são transmitidas ondas de rádio e televisão. Esses espectros são públicos e não pertencem àqueles que possuem as concessões. A eles cabe apenas o direito de utilizá-las e, sendo públicas, possuem obrigações éticas e morais com a população...


Você diz que a mídia é hoje o primeiro poder...

Guareschi. De fato, ela manipula os outros poderes, todos. Por quê? Porque não há controle da mídia. EmRoma, o poeta Juvenal já perguntava: Quem fiscaliza os fiscalizadores?.. Enquanto a sociedade civil não estiver organizada e não houver uma instância, como a BBC de Londres, que possa monitorar essa mídia...


Quem faria esse papel?

Guareschi. O Conselho de Comunicação Social, criado pela constituição de 1988, de certa forma começou a fazer. Ele é formado por representantes de 13 instituições, com maioria da sociedade civil.O Conselho estava fazendo audiências muitos boas.Foi ele que criou a Comissão de Acompanhamento da Programação de rádio e televisão (CAP), da qual eu sou membro titular. É quem está fazendo essa campanha .Quem financia a baixaria é contra a cidadania..


Algum resultado prático dessa campanha?

Guareschi. Essa comissão já conseguiu muita coisa. A gente recebe as reclamações, sistematiza, faz parecer e devolve para agências, para os produtores e, principalmente, para patrocinadores. Já se conseguiu mudanças impressionantes. Inclusive patrocinadores se recusaram a patrocinar. A Casas Bahia, por exemplo, caiu fora de um daqueles programas do fim da tarde, de violência. Por causa desse trabalho, esses três programas do fim do dia vão passar lá para o fim da noite... Estamos conseguindo muita coisa e a gente espera que esse despertar da sociedade civil vá conseguir muita coisa, embora agora, na última eleição, os empresários tenham ficado em maioria...


E o Conselho Federal de Jornalismo?

Guareschi. Era uma instância ótima, onde os próprios jornalistas fariam a crítica deles mesmo e se ajudariam no sentido de ver a importância, o papel decisivo deles. Numa entrevista, o Heródoto Barbeiro perguntou ao Mino Carta se não ia implicar em censura e tal...O Mino falou certo: não é essa questão. A questão é que a mídia tem dono, o dono dela faz o que quer. O jornalista é obrigado a dizer o que o dono quer, deixa de dizer o que o dono não quer. Esse é o poder difuso, tremendo, que decide na seleção, na combinação das mensagens.


A voz é dos donos...

Guareschi. Na verdade eles decidem... criam a realidade. Eu fico dolorido quando vejo a RBS fazendo campanhas enormes sobre suas próprias iniciativas beneficentes, sobre as crianças e tal, como se eles fossem os melhores do Brasil. Aí vem a pesquisa de imagem: qual a que mais aparece? Aí vem as marcas que mais aparecem... quer que apareça outra? Aí eles publicam de novo... é uma coisa recorrente, fechada.Na realidade, a RBS não pode fazer isso, porque é umserviço público. Estou falando de rádio e televisão, não estou falando de jornal. Jornal faça o que quiser, a turma tem que pagar para comprar o jornal... Agora rádio e televisão não são pagos, é tudo enfiado goela abaixo, porque o espectro é publico, tem que prestar conta, então não pode fazer isso!


Não pode fazer autopromoção?

Guareschi. Não pode. Teria que dar espaço a todos, porque quando ela faz autopromoção está competindo deslealmente com as outras. A mesma coisa quando o fulano lá começa a ler editorial da Zero Hora, desde às seis da manhã na rádio Gaúcha. Não pode. A Zero Hora é um meio impresso, aí cada um diz o que quer como quer. Agora a rádio Gaúcha é uma empresa pública, ela está usando o espectro que é publico, é concessionária de um serviço público, então não pode falar só da Zero Hora. Se quiser, tem que falar dos outros, de todos. É concorrência desleal! Isso é o monopólio, eles fecham o cerco.


E ainda tem os negócios imobiliários...

Guareschi. Ah, sim, hoje não sei como está isso, mas houve uma época que ficavam com 10% dos imóveis, em troca de espaço. Há uns dez anos quando começou a ocupação da Praia de Belas, também o Jurerê Internacional em Santa Catarina era feito assim...Enfim, as possibilidades são imensas quando se têm a propriedade cruzada dos meios . a horizontal, que alcança todo o território, a propriedade vertical, que envolve todos os meios, até internet.


Qual é o real tamanho dessa propriedade?

Guareschi. Olha, foi difícil o levantamento das concessões no Rio Grande do Sul.Até novembro de 2003 isso era segredo. Depois de muita pressão apareceu na internet a lista das concessões, ficou um tempo e saiu, fizemos cópia e pegamos a do RS. Havia 471 concessões de rádio e televisão no Estado, apenas 91 eram concessões não comerciais (6 TVs educativas e 85 rádios comunitárias). A RBS tem 64% das TVs comerciais do Estado. São 19 concessões comerciais no estado, 12 pertencem ao grupo familiar. Somos um Estado monopolizado.


Como eles reagem a essa sua crítica?

Guareschi. Houve, tempo atrás, uma manifestação do Nelson Sirotsky, quando saiu a terceira edição desse livro Os Construtores da Comunicação... Afilha dele que era aluna aqui na PUC me disse que ele gostaria de falar comigo, aí fui lá. Aí conversamos bem claro, percebi que nele o interesse é econômico.


Como assim?

Guareschi. O que move o homem é o cifrão, não é a ideologia, não são valores, não é a cidadania, é o cifrão. Falei do Rogério Mendelsky, que na época ainda estava na Gaúcha: como que ele sustentava um sujeito que falava aquelas barbaridades dos movimentos sociais, sem dar direito ao contraditório? Ele: .O Mendelsky traz um bom dinheiro, consegue os patrocinadores e faz ao vivo a propaganda testemunhal .. Ele trazia 300 mil por mês, fora os 20% que ficavam para ele.


Como vais divulgar o livro?

Guareschi. Pensei em colocar uns painéis de quatro metros ali na área do Fórum, mas me dissuadiram. Vamos distribuir folhetos. Estivemos em quatro mesas no Fórum Social Mundial, fazendo uma leitura critica da mídia, sendo dois seminários promovidos pela Frente de Comunicação... Nisso o livro vai indo. Há muito interesse nisso, é talvez a questão crucial para a democracia brasileira. Seria realista esperar que no Brasil se proíba a propriedade cruzada, como nos Estados Unidos?
Nos Estados Unidos tentaram derrubar a proibição. Estavam suprimindo as leis de aglutina ção e cruzamento, mas quando chegou ao Senado não foi aceita e voltou atrás:quem tem televisão não pode ter rádio, jornal. Aqui tem uma propriedade cruzada escandalosa. Nossa legislação é de 1967 sobre esse tema, nunca se legislou porque não há interesse, o assunto não é levantado. Quem vai levantar?. Nós fizemos uma pesquisa: 85%do que o povo conversa, no fim do dia, o que falei hoje, quem colocou o assunto foi a mídia, do que se fala na família, no trabalho, quem coloca a agenda é a mídia. Então é de uma importância tremenda, mas nesse terreno estamos no tempo das capitanias hereditárias. Temos os latifundiários da mídia e 97% da população acha que rádio e televisão tem dono. Recebem a concessão de graça, aí vendem por um preço fantástico. Tentou comprar uma rádio? A PUC tentou, pediram milhões.


E os jornalitas, como você vê?

Guareschi. Os jornalistas são empregados. Lula tinha toda a razão quando chamou de covardes, mais do que isso, traidores. Se existe Conselho de Psicologia, o Conselho dos Bispos, a Ordem dos Advogados, o Conselho de Medicina, por que não um Conselho de Jornalismo? Porque os donos da mídia não querem. São covardes... Na sociedade plural cada grupo tem que ter a sua consciência, não tem explicação.


E o Fórum o que é?

Guareschi. O Fórum é o social como alternativa ao econômico, é alternativa ao político tradicional, é outra democracia, a participativa, em vez da representativa. Você é militante de algum partido?
Nunca me filiei a partido, participei da fundação do PT com Frei Betto, mas não milito. Por aí sou tido como petista, mas mantenho minha independência. Apóio, assessoro o MSTna parte de comunicação, encontro com eles em cada semestre.


Teve algum problema na PUC por causa das suas críticas?

Guareschi. Não. Procuro manter minha liberdade. Sempre procuro justificar o que digo. Se eu faço uma afirmação... vamos discutir, discordamos, mas se digo... não vou afirmando adoidadamente.

O jornalismo fiel ao dono


Por Luiz Geremias em 2/10/2007

A revista Veja tem dado bons exemplos daquilo que é mais criticável no jornalismo. Além de ter descambado definitivamente para a telenovelização da notícia, dá mostras de como funciona o jornalismo subserviente aos interesses da empresa que o controla.
A notícia parece vir pronta, independendo de qualquer apuração, de acordo com o interesse do patrão: quando o dono determina, abana o rabo e lambe os pés de qualquer um, como um doce poodle. Da mesma forma, a um sinal, vira pitbull.
A sorte é que esse tipo de prática jornalística é nocivo apenas para um certo tipo de leitor. É o caso daquele cara que sai por aí repetindo, ipsis literis, idéias prontas, como se fossem suas. O mesmo que Curtis White diz ser portador de uma "mente mediana", o "indivíduo medíocre" de que nos falava Jose Inginieros há muito tempo. Ou, para H. L. Mencken, o "homem inferior" que sustenta a lucratividade da grande imprensa. Aquele que deve ser assustado e depois tranqüilizado para se manter presa desse discurso midiático: "Primeiro, amedronte-o com um bicho-tutu e corra para salvá-lo, usando um cassetete de jornal para matar o monstro", ensinava Mencken.

Pensadores orgânicos

Vejamos que veículos como a Veja parecem ter o interesse de paralisar a capacidade crítica de seus leitores, de mantê-los na mediocridade intelectual, disseminando sua moral subserviente. Uma das estratégias para isso é a simulação de adesão a um ideário sócio-político.
O leitor acaba iludido em um pastiche ideológico. Pensa estar repetindo um discurso fundamentado acerca da realidade, quando na verdade está professando lugares-comuns vagos, criados apenas para desviar a atenção dos reais interesses dos financiadores desse tipo de jornalismo.
Para realizar essa tarefa, a Veja conta com seus "intelectuais orgânicos", aqueles que são liberados a dar suas opiniões e incentivados a tecer comentários inteligentes. Os que assinam em baixo do que escrevem e assumem a autoria de seus pensamentos. Para essa forma de jornalismo, que parece se resumir ao objetivo de satisfazer interesses empresariais, esses pensadores orgânicos são fundamentais. São eles que falam pessoalmente ao leitor e simulam a adesão a um discurso sócio-político. São os colunistas, que hoje ganharam espaço privilegiado com os chamados blogs.

Mente mediana

A revista Veja tem um time de colunistas-blogueiros. Um deles, Diogo Mainardi, parece já ter conseguido se estabelecer como uma personalidade folclórica do ideário costumeiramente chamado de "reacionário" ou "de direita", uma espécie de discípulo de Olavo de Carvalho. Outro é Reinaldo Azevedo, que, tudo indica, provavelmente aprendeu muito com Francis Fukuyama e sua eternização do liberalismo econômico pela noção simplória do "fim da história". Tudo o que não diz respeito ao pensamento único do capital é execrável ou, pior, démodé.
O governo Lula, por exemplo, é execrado pelos dois. Porém, o que é importante não é isso. Pouco importa se odeiam o presidente ex-metalúrgico ou não, pois isso parece depender de ordens superiores. Menos ainda importa o conteúdo de seus comentários. Tudo indica que são compostos de frases feitas, de idéias prontas e fatos ocultos, fidelíssimos no intuito de manter o patrão de bom humor.
O colunista-blogueiro Reinaldo Azevedo, no último dia 18 de setembro, publicou um texto ultrajado no qual condenava explicitamente a citação do pensamento de Karl Marx no livro didático público criado e distribuído pelo governo paranaense aos alunos do nível médio. Marx, todos concordarão – menos Azevedo e alguns portadores da "mente mediana" – é um teórico consagrado, cujo pensamento merece sempre ser revisitado, mesmo pelos que o entendem criticamente.

Assédio aos professores

O alvo era o livro didático público paranaense de Educação Física, no qual um texto sugere aos alunos que refletissem sobre se o esporte não poderia estar sendo tratado como mercadoria na contemporaneidade. Nada mais salutar, pois essa é uma concepção corrente entre os estudos sociais contemporâneos que entendem que isso acontece não apenas com o esporte. Para Azevedo, porém, isso corresponderia a atacar o caráter competitivo do esporte e doutrinar as crianças para a subversão. Trágico para ele, cômico para nós.
O mais tragicômico é descobrir que, lendo o livro, se percebe que há, isso sim, o interesse de incitar o aluno a pesquisar e pensar sobre a suposta natureza competitiva humana. Isso, porém, para Azevedo, é quase um crime.
Após ler o texto do blogueiro anti-Marx, me pus a pensar sobre o caso. Entendi que sua gana deve ter relação com o fato da revista Veja ser publicada pela Editora Abril, que é proprietária das editoras Ática e Scipione, ambas especializadas em livros didáticos e que, graças à portaria 2.963/05 do Ministério da Educação, vêm amargando prejuízos e odiando ardentemente o governo Lula. Provavelmente, se os negócios andassem melhores, o amariam. Bastaria que o ministro Fernando Haddad permitisse que continuasse a prática de assédio aos professores por parte dos representantes das editoras da Abril, cessada pela portaria.

As crianças e o marxismo

Lembro, ainda, que a Abril e seus veículos têm por hábito bombardear as editoras concorrentes nesse ramo, havendo o prestimoso exemplo de uma recente campanha movida contra a Editora Nova Geração, de propriedade de Domingo Alzugaray, ex-diretor da revista IstoÉ. O problema está no fato de que o governo federal haveria comprado da Nova Geração, após consulta a docentes, 3,5 milhões de livros didáticos para estudantes e aproximadamente 60 mil livros para professores. Isso, com certeza, deixou fulo o pessoal da Abril.
Ficaram tão coléricos que o citado blogueiro, ao se referir ao livro Nova História Crítica, perde o prumo e chega a pedir, emocionado, que protejamos nossas crianças do "molestamento ideológico". É claro que ele pode pensar e dizer o que bem entender, mas que é engraçado, ah, isso é.
Não é difícil supor de onde vem o furor "direitista" em relação ao livro da Nova Geração. Também não é de se estranhar como surge o mau humor em relação ao livro didático público paranaense, ainda mais quando se sabe que tudo o que os blogueiros publicam deve receber o carimbo de "ok" do patrão.
Ao editar e distribuir seus próprios livros, o governo do Paraná entra no rol dos concorrentes diretos da Abril. Fecha às editoras Ática e Scipione um rendoso mercado. Se isso for levado em conta, está explicada de forma bem convincente a raiva em relação ao livro que põe em xeque a lógica da concorrência como valor supremo. Parece estar mais uma vez desmascarada a simulação de pensamento da revista e seus colunistas. O que estaria em jogo seria simplesmente atacar a concorrência, nada de discordâncias teórico-políticas fundamentadas, muito menos preocupações com as pobres crianças doutrinadas para o marxismo.

Autismo tautológico

Não parece haver qualquer pensamento político aí. Parece haver, isso sim, uma cortina de idéias prontas, tecida para ocultar outros interesses e, infelizmente, desviar a atenção do leitor mediano da verdadeira lógica que comanda a produção de notícias das grandes corporações da mídia. Diziam os marxistas Theodor Adorno e Max Horkheimer: empresas não têm ideologia, têm negócios.
Mais uma vez, vemos ilustrada a velha máxima que determina que a diferença entre os partidários da esquerda e da direita está na seguinte definição: os da esquerda são militantes, lutam por propostas e ideais e estudam até os estéreis textos capitalísticos; os da direita são sócios, parecem lutar apenas para encher os bolsos e, com certeza, não podem sequer ouvir falar de Marx. Nenhum problema nisso, mas é preciso informar ao leitor o que se passa e como se passa.
O leitor mediano acaba iludido. Ao pensar que o que lê nos colunistas blogueiros de Veja é fruto de uma reflexão teórico-política, construída graças a uma boa educação teórica, pode estar sendo induzido a um erro e sair por aí repetindo o pensamento ready made que, na verdade, se contextualizado, é facilmente desmascarado.Uma abordagem conhecida sobre a comunicação humana a difere da usada pelos cães por esta ser egocêntrica, ou seja, voltada para si. Quando um cão late, segundo essa teoria, não sabe se seu latido tem algum significado para outro cão. Se este outro cão responde, é apenas porque foi estimulado pelo latido, não porque tenha "algo a dizer" ao primeiro cão. Se este é o mecanismo que rege a comunicação canina, muito provavelmente deve ser, também, a lógica desse jornalismo fiel ao dono: uma espécie de autismo tautológico nos moldes do já estudado por Lucien Sfez. Quem perde, como dito, é o leitor, que deveria ser encarado como o verdadeiro dono do veículo.
Texto retirado do site Observatório da Imprensa.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O inferno de Aguinaldo Silva



O inferno de Aguinaldo Silva
Ameaças de morte, queda no Ibope e stress - o autor de Duas caras quase desistiu da novela

ELIANE LOBATO

Em matéria de Ibope, o autor Aguinaldo Silva conheceu o paraíso e o inferno nos últimos dez anos. Teve a melhor audiência da década com a sua novela Senhora do destino. Com a atual, Duas caras, também no horário nobre da Rede Globo, carrega o título de pior pontuação de segundo capítulo desde 1997: 35,5 pontos. Em entrevista a ISTOÉ, ele admitiu, pela primeira vez, que a novela começou mal mesmo: "Os capítulos eram meio dark. Eu estava vivendo um problema pessoal e isso acabou se refletindo no campo profissional, mas já passou, o trabalho entrou agora no tom habitual. Estou feliz e tenho consciência de que esta é a minha melhor novela, a mais cirúrgica, a mais apurada." Aguinaldo Silva não revela qual é o problema pessoal. Mas tornou público em seu blog um outro fato grave que o abalou profundamente: estava sendo ameaçado de morte em telefonemas anônimos. Chegou a pensar em deixar o País e interromper a novela. Some-se a isso os números do Ibope: todo o Projac sabe que queda na audiência da novela das oito é motivo de stress na emissora e Aguinaldo Silva não está imune a essa cobrança, ainda que ele afirme que não tem sofrido pressão alguma da Rede Globo.
"Ontem (segunda-feira 12) tinha 66% de aparelhos ligados e 41% estavam na novela", diz o autor. Provavelmente, na sexta-feira 16 ele terá mais motivos para comemorar depois que a dançarina Alzira, personagem interpretada por Flávia Alessandra (a campeã de cartas da Globo), aparecer totalmente nua. Essa é, certamente, uma das mexidas para tentar se livrar do inferno. Outras também virão e se referem à inclusão de mais humor e graça, embora isso não signifique o abandono das abordagens polêmicas - homossexualismo (por meio do personagem de Thiago Mendonça), preconceito racial (enfrentado pelo casal interpretado por Débora Falabella e Lázaro Ramos), especulação imobiliária, etc. "É uma novela de alto risco, mas se não tiver risco não tem graça", diz o autor, que já explorara o realismo fantástico em folhetins anteriores e agora ataca só de realista - a vida nua e crua, sem alegorias. "Eu queria fazer uma novela politicamente incorreta, que saísse dos limites, que pesasse a mão sobre determinados assuntos e que fosse realista", diz Aguinaldo Silva.
HOMOFOBIA Personagem de Thiago Mendonça (à esq.) é vítima de deboche
Na semana passada foi ao ar uma cena que simboliza bem esse conceito. Um homem sofre um acidente com seu carro repleto de alimentos numa avenida do Rio e Janeiro e o que fazem as pessoas ao vê-lo imóvel, machucado e preso pelo cinto de segurança? Saqueiam a carga que ele transportava e roubam seus pertences pessoais. "Isso é real, aconteceu com um amigo meu. Ele usava dentadura e até isso roubaram!" Cenas de vida dura como essas causaram certa reação no início, como diz o próprio autor: "As pessoas ficaram chocadas, mas agora começaram a embarcar." Ele lembra que Duas caras está em seu primeiro mês de vida e que, portanto, passa pelo "período de maturação". Mas que ninguém espere os altos índices do passado porque a televisão brasileira sofre inegáveis transformações. Entre 2005 e 2007, por exemplo, a audiência do horário nobre diminuiu quase sete pontos. Aguinaldo Silva arrisca explicar: "As pessoas lêem menos jornais e vêem menos televisão. Mas consomem mais DVDs, especialmente piratas, são campeões em freqüência no Orkut, ficam muito na internet."

ALTO RISCO Segundo Aguinaldo Silva, não tem graça fazer novela que não ouse ou incomode

"Verissimo é bem tratado. Autor de novela só leva paulada"

ISTOÉ - O sr. tem respondido a críticas, feito críticas. Anda tenso?
Aguinaldo Silva - Ando é cansado deste desdém em relação ao trabalho em tevê, mais da chamada imprensa especializada, que chega ao limite da baixaria. Como eu tenho um blog, falo quando acho que vai contra a verdade. É tudo pensado friamente, não é rompante.

ISTOÉ - Esse "desdém" é só com novela?
Silva - Com o trabalho em tevê. Vou dar um exemplo: o Luis Fernando Verissimo. Ele é simpático, cronista mediano, tem alguns livros bastante fraquinhos, mas eu nunca li uma crítica dizendo isso. Ele é tratado com a maior consideração porque é escritor. Já o autor de novelas é sempre desdenhado. Leva paulada de todo o lado. Acho que a gente merecia mais consideração, como o Verissimo.

ISTOÉ - Que história é essa de ameaças?
Silva - Não tem nada a ver com política. Começou com a novela. São pessoas que querem tirar minha paz. Provavelmente, pessoas do meu próprio círculo, não de amigos, claro.

ISTOÉ - Ameaçavam a sua vida?
Silva - Ligavam de madrugada, às vezes, dez ligações em um dia. Criticavam meu cabelo, a aparência física. À medida que a novela foi criando polêmica, começaram a falar: "Você vai acabar no valão."

ISTOÉ - Descobriu de onde vieram as ligações? Pararam?
Silva - Eram feitas de orelhão ou de celular com identidade privada. As do orelhão, descobrimos que eram feitas num trecho que vai da Taquara até o Projac (estúdio da Rede Globo), em Jacarepaguá (subúrbio do Rio). Me leva a suspeitar de relações antigas, ex-empregado. Olha, vou confessar aqui: tenho um suspeito e liguei para o celular dessa pessoa para apurar. Depois da denúncia em meu blog, este celular está sempre desligado. As ligações pararam.

ISTOÉ - O sr. ainda pensa em sair do País e deixar a novela?
Silva - Houve um momento em que pensei: não vale a pena! Mas o trabalho do autor é assim, uma solidão absoluta. A falta de respeito aumenta quando o Ibope da novela sobe.

ISTOÉ - A Globo cobra audiência ou mudanças na novela?
Silva - Não. Não digo isso para puxar o saco. Não preciso. A generosidade da emissora é impressionante.

ISTOÉ - As ameaças podem ter ligação com a abordagem de temas polêmicos na novela, como homossexualismo, racismo, etc?
Silva - Acho que não. Houve um momento que pensei nisso. Existem os fundamentalistas de esquerda. Mas depois percebi que não era por aí.



Texto retirado da Revista Istoé/Cultura

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Revista brasileira discute jornalismo e apresenta idéias

Por Luiz Gonzaga Motta em 13/11/2007


O que é o jornalismo? Numa época em que o jornalismo se desloca das páginas e telas para blogs e websites, qual é o perfil dessa atividade na sociedade contemporânea? Por que estudar o jornalismo? Qual a importância do jornalismo no mundo globalizado? Os jornais brasileiros estão discutindo a sua função na sociedade?

Perguntas como essas, inevitáveis para profissionais e estudiosos do jornalismo, estão em debate na nova edição da revista Brazilian Journalism Research (Volume 3, N�mero 2, 2� semestre 2007) que acaba de ser publicada pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor).

Por que, afinal, o jornalismo é tão questionado? Na nova edição da BJR, publicada em língua inglesa como os números anteriores, pesquisadores reconhecidos internacionalmente como Barbie Zelizer, Steve Reeves e Thomas Hanitsch, Denis Ruellan e alguns autores brasileiros discutem qual é o papel do jornalismo na política e na história. Ao fazê-lo, eles questionam também os estudos sobre o jornalismo que proliferaram nos centros de pesquisa e cursos de pós-graduação.

Autores brasileiros e estrangeiros debatem na nova edição da BJR os principais paradigmas, conceitos e tendências dos estudos do jornalismo questionando sua validade diante da atividade profissional. Quais os pesquisadores ou centros de estudos deram melhor contribuição para entender o jornalismo no mundo? A professora Barbie Zelizer, da Universidade da Pensilvânia (EUA), sugere que não existe um pesquisador nem tampouco uma "escola" que tenha hoje um pensamento hegemônico ou uma autoridade maior nos estudos sobre o jornalismo. Para ela, vozes múltiplas podem oferecer visões mais completas do que é hoje o jornalismo, cada uma oferecendo a sua parcela de contribuição.

Soluções criativas

A professora Zelizer reconhece que todos os envolvidos (jornalistas, professores e pesquisadores) estão permanentemente em conflito: os profissionais dizem que os professores de jornalismo não preparam os "focas", os professores dizem que os pesquisadores estão sempre no mundo da lua, e os pesquisadores dizem que ambos são insuficientemente teóricos. Essas disputas, diz ela, contribuem para que todos percam, deixando à margem discussões importantes a respeito do que o jornalismo realmente significa.

Ela divide os estudos do jornalismo em cinco grupos: estudos sociológicos, históricos, de linguagem, ciência política e estudos culturais. Reunir as contribuições de cada um desses grupos num conjunto coerente de conhecimentos sobre o jornalismo é difícil, continua a professora, porque não há estado-da-arte suficientemente abrangente e nenhum destes grupos cobre o suficiente sobre o que o jornalismo realmente é. Isto não é motivo para alarme, entretanto. Revistas específicas sobre os estudos do jornalismo e centros que partem de estudos conceituais para aplicá-los � profiss�o estão sendo criados em várias partes do mundo. "O que todos nós precisamos pensar", conclui Barbie Zelizer, "É antecipar-nos sobre o que fazer com o jornalismo e sugerir soluções criativas".

Proposta de pesquisa

Steeve Reese, professor da Universidade do Texas, amplia essa discussão em artigo na Brazilian Journalism Research que acaba de sair. Diz ele que o jornalismo, como qualquer outra área, não ficou imune ao processo de globalização, transformando-se numa "arena noticiosa global" desvinculada dos velhos processos de produção da notícia.

A globalização possibilitou a confrontação das notícias de maneiras mais transparentes e o seu cotejo com padrões mais universais. A proximidade com que as organizações noticiosas estão trabalhando a partir dos processos de globalização obriga-as a repensar os valores notícia e as rotinas produtivas, pois os produtores e consumidores de notícias não estão mais orientados nacionalmente. Por isso, conclui em seu artigo, os pesquisadores do jornalismo não podem mais permanecer isolados, necessitam organizar pesquisas "cross-nacionais". Ele cita como exemplo de pesquisa internacional um projeto que analise a cobertura de um evento significativo para a comunidade mundial, que é sempre filtrado por valores jornalísticos de organizações noticiosas locais.

O pesquisador alemão Thomas Hanitsch, hoje professor na Suíça, advoga ardentemente em artigo na BJR a criação de projetos permanentes de pesquisa comparativa "cross-nacionais" que formulem teorias gerais sobre o jornalismo e validem universalmente resultados de estudos nacionais. Apesar da grande quantidade de dados, diz ele, muitas questões sobre o jornalismo permanecem não resolvidas. "Que variáveis conformam as notícias? Até que ponto os valores ocidentais da objetividade do jornalismo se ajustam às culturas não ocidentais?", pergunta. E cita como exemplo o "World Value Survey", um projeto que estuda as mudanças nos valores dos habitantes de 80 países de todos continentes. Hanitsch propõe em seu artigo uma "World Journalism Survey" capitaneada pelo grupo de estudos sobre o jornalismo da International Communication Association, do qual ele é o atual coordenador.

Disciplina acadêmica

A revista traz ainda uma interessante análise do conteúdo de 53 jornais e quatro revistas semanais brasileiras veiculados entre 2003 e 2005 a respeito de temas relativos à própria mídia, tais como mídia e democracia, regulamentação da televisão e concentração da propriedade entre organizações da mídia. A análise apresentada em artigo do pesquisador Guilherme Canela pretendia descobrir até que ponto a mídia contribui para ampliar a discussão pública a respeito das políticas sobre a própria mídia. O artigo mostra que a mídia não discute regularmente políticas públicas de comunicação e só noticia a si própria em momentos emblemáticos e pontuais, por exemplo, no affair Gugu-PCC ou quando o governo sugeriu a criação do Conselho Federal de Jornalistas.

A mídia, conclui Canela, é central para o funcionamento das democracias, mas seu funcionamento precisa ser exposto ao público através da própria mídia para que a população possa influir nas políticas para o setor. A relação extremamente sensível entre o jornalismo e as organizações da mídia, entretanto, conclui Canela, impede um debate mais franco e aberto.

Com esta edição, a Brazilian Journalism Research está completando seis números em três anos de existência (2005-2007). A revista é publicada semestralmente em língua inglesa com a finalidade de fazer a pesquisa realizada sobre o jornalismo no Brasil chegar até a comunidade científica internacional. Neste período, a revista publicou 64 artigos escritos por 92 pesquisadores (muitos artigos são assinados por mais de um pesquisador). Setenta e dois autores são brasileiros e dezesseis estrangeiros. A maioria dos artigos discute uma teoria da notícia ou do jornalismo, questionando os problemas fundamentais da profissão. Mas, há artigos sobre o jornalismo como processo cognitivo de construção da realidade, sobre liberdade de imprensa, ética e responsabilidade na profissão, pluralismo de fontes, jornalismo digital, cobertura da violência e segurança pública, e outros temas.

Embora editada em inglês, a revista se consolidou entre pesquisadores do jornalismo brasileiro como um espaço que ajuda a institucionalizar o jornalismo não apenas como uma profissão e atividade essencial na sociedade, mas também como uma disciplina acadêmica que pensa regularmente o jornalismo e contribui para o seu aprimoramento nas modernas democracias.

Texto retirado do observatorio da imprensa

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Ombudsman

Achei esta passagem que fala sobre uma experiência de Ombudsman numa revista brasileira.

Texto retirado do artigo: "Ouvidoria de imprensa no Brasil" - [Art&Fato: Jornalismo Digital-UCB]


A revista Imprensa, uma publicação mensal especializada em jornalismo, criou a figura do leitor/ombudsman. O primeiro a ocupar o cargo foi Juvêncio Mazzarollo, em outubro de 2000. Em sua primeira coluna ele descreveu o motivo por que foi convidado.

Mazzarollo havia enviado um e-mail para a revista reclamando de erros gramaticais na publicação. O então editor Tão Gomes Pinto respondeu agressivamente às críticas: "Eu aqui preocupado com os destinos da humanidade e da civilização ocidental, fazendo o diabo para manter a revista em pé, e vem esse cara falar de vírgula e crase!?". Mas, depois, o editor voltou atrás, aceitou as críticas, e chamou esse leitor para ser ombudsman da revista.

O sucessor de Mazzarollo no cargo foi o próprio Tão Gomes, que criou o Caderno do Ombudsman, com oito páginas, em que fazia uma ampla análise da mídia. No entanto, na edição de junho de 2002, a revista informava que o então ombudsman estava abandonando o cargo para trabalhar em uma campanha eleitoral, e a função foi extinta.

Postado por: Victor Diniz

Estes Textos foram retirados da Sessão "Monitor da Imprensa" do site Obseravatório da Imprensa.

O faturamento e a moral

Há no mínimo duas décadas os nova-iorquinos acompanham a publicação de propagandas nas últimas páginas na revista New York, divididas em categorias como "Viagem", "Barcos", "Entretenimento", "Fantasias" e "Massagens", entre outras. Um típico anúncio na seção "Fantasias" poderia ser: "Modelos orientais. Ligações externas apenas". Ou "enfermeira particular sensual". Ou "método clássico e romântico de relaxamento. Ligações internas e externas".
Para Alex Kuczynski [The New York Times, 12/3/01], é claro que revistas locais devem atender a seu público-alvo, e os anúncios na grande imprensa tornaram-se tão aceitos quanto anúncios de serviços públicos, comuns até em táxis. O Village Voice, por exemplo, publica diversas páginas de anúncios do gênero – cerca de 5% do jornal. De sua parte, o New York Observer imprime duas páginas por semana desses anúncios.
No entanto, nada disso é notícia. A prática é antiga, e não ocorre só nos EUA. A novidade é que a Primedia, dona da New York e recém-fundida com o website About.com, prometeu vender ou vetar todos os sítios que contenham conteúdo de sexo explícito. Ora, se esses sítios são inaceitáveis, por que, em tempos de preocupação com Aids e outras DSTs, é aceitável a publicação de anúncios como o da primeira semana de março da New York, "Sue & amiga: centro da cidade, caras, mas vale a pena"?
Thomas S. Rogers, executivo-chefe da Primedia e autor da decisão de evitar sítios pornográficos, foi citado no New York Post, no mês passado, por afirmar que a empresa, por ser muito direcionada ao público jovem, deveria fugir de conteúdo sexual. Mas não mencionou a revista New York. Suzanne Gibbons-Neff, porta-voz da About.com, respondeu em seu lugar, dizendo que a New York é uma revista adulta. "Se você aplicar seus padrões a todas as revistas do mercado terá que manter crianças longe de todas elas", disse.
Arthur Carter, publisher e proprietário da New York Observer, assim como muitos outros "homens da mídia", alega que aceita tais anúncios porque Nova York e sexo andam juntos como pão e manteiga. "Esses anúncios são um componente da vida real da cidade", diz. "Odeio a idéia de esterilizar o jornal e remover o que realmente é um pedaço da cidade."


Revista New York suspende anúncios eróticos

em 13/11/2007

A revista New York concordou em não mais aceitar anúncios eróticos depois que a filial de Nova York da Organização Nacional pelas Mulheres (NOW, sigla em inglês) ameaçou fazer protestos em frente ao prédio da publicação. O grupo feminista acusou a New York de ser um "braço de marketing do crime organizado de prostituição e tráfico humano", por causa dos classificados nas últimas páginas da revista com frases como "Asiáticas Selvagens" e "Asiáticas dos sonhos".
Sonia Ossorio, presidente da NOW de NY, disse que ficou "encantada" com a decisão da revista. A organização também pediu a outras publicações locais para não mais publicar anúncios do tipo e afirmou que já entrou em acordo com outras 14 revistas, incluindo a Time Out New York e a New York Press.
A porta-voz da New York, Serena Torrey, confirmou a decisão, mas não quis revelar se a medida foi tomada devido às pressões do grupo feminista. "A revista está prosperando e chegou a hora de nos livrarmos de anúncios com os quais nunca nos sentimos confortáveis", afirmou. Informações de Adam Goldman [AP, 7/11/07].

Este texto foi retirado do site do Observatório da Imprensa.
Sexo na berlinda

A BBC foi acusada de cometer sério erro de julgamento no dia 8 de março, após Eve, revista da BBC para o público feminino, veicular imagens de Cherie e Tony Blair para ilustrar sua seção de dicas de sexo. Eve, cuja primeira edição foi lançada em agosto, usou na edição de abril seis fotos dos Blair acompanhando artigo intitulado "50 coisas que toda mulher deveria saber sobre sexo".

Peter Luff, conservador que tem falado muito sobre decência em revistas, afirmou que o caso é emblemático para ilustrar mau gosto. Para ele, a revista deveria ser retirada de circulação. Um porta-voz da BBC, segundo informações de Tom Leonard [Daily Telegraph, 9/3/01], defendeu as imagens. "Não vimos nada de ofensivo, Eve é uma revista para mulheres adultas com humor adulto, e até Cherie Blair poderia ver um lado engraçado." Ele disse que esse tipo de artigo é rotineiro na revista, que sempre usa diferentes "modelos" famosos para ilustrar.

Lance!!!!


Gente, achei um texto legal no observatório da imprensa sobre o Jornal (que eu achei que tinha revista também) o Lance! Muito interessante.


Lance!, uma década driblando pressões

Por Lilia Diniz em 21/11/2007


O Observatório da Imprensa na TV exibiu na terça-feira (20/11) uma entrevista de Alberto Dines com Walter de Mattos Junior, presidente do jornal Lance!. O diário de esportes, que completa dez anos neste mês, é o maior da América Latina e emprega mais de cem jornalistas. Circula nas principais capitais do país e tem três edições diferentes – no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Minas Gerais. A conversa foi gravada na redação do jornal, no Rio, no dia em que os funcionários comemoraram o aniversário da publicação. Os jornalistas Juca Kfouri, Milton Coelho da Graça, Caio Maia; o presidente do Flamengo, Márcio Braga, e publicitário Armando Strozenberg gravaram entrevistas que foram exibidas ao longo do programa.
Para o presidente do Lance!, o sucesso da publicação é fruto do trabalho e do otimismo. "A impressão é de uma pequena travessia no deserto. Você não sabe se vai chegar do outro lado, mas não tem alternativa a não ser caminhar", disse. O fato de o esporte ter um público segmentado e um atrativo especial, principalmente para a juventude, também teria contribuído. Dines perguntou ao idealizador do jornal se o fato de ele ser economista, empresário, administrador de empresas e "jornalista por osmose" facilitaria a gestão do Lance!.
Walter de Mattos confirmou que a formação profissional ajudou formular o conceito do projeto editorial e disse que uma equipe multidisciplinar é fundamental para a empresa ser bem-sucedida. Dines observou que Walter é hoje o único publisher da nova geração, conseguindo conciliar boa administração com "grande sensibilidade jornalística". Para o presidente do Lance!, é essencial valorizar os fundamentos do jornalismo.
No início do projeto, Walter reuniu seis parceiros e, com o tempo, adquiriu as cotas dos demais acionistas. Ele disse que o jornal já nasceu independente e com um grande investimento financeiro. Não era "fundo de quintal", tampouco um braço de uma grande empresa. O empresário contou que, para fundar o Lance!, comprometeu o que na época representava cerca de 80% de seu patrimônio pessoal. Isto teria mostrado aos sócios o seu grau de envolvimento com o projeto, pois era o maior investidor individual entre os participantes do negócio.
Apesar de ser cético em relação ao futuro de um veículo que circule apenas em mídia impressa, Walter de Mattos não acredita que o jornal em papel esteja condenado. "Tenho ouvido depoimentos absolutamente extraordinários. É só eu sair que alguém me conta: `Meu filho de 13 anos me surpreendeu ontem. Me pediu dinheiro e foi de bicicleta comprar o Lance! na banca. E ele tem internet e TV por assinatura´", contou.

O futuro do jornal impresso e as novas mídias

O empresário não acredita que o jornal impresso irá desaparecer, mas observou que as novas gerações têm grande afinidade com a internet. "O papel tem a sua magia. Eu não acredito nas previsões catastróficas de que o papel vai acabar", afirmou. Para ele, é possível sobreviver no papel, mas, com o tempo, cada vez mais projetos terão papel e online atuando de forma integrada. Só as receitas das duas áreas sustentariam uma produção jornalística de qualidade.
Dines perguntou a Walter se ser multimídia é a chave do sucesso, uma vez que o Lance!, além do impresso, está presente também na internet, onde veicula uma TV e uma rádio. Walter comentou que o que nos anos 1990 eram um "charme", hoje é uma necessidade, principalmente por causa dos jovens leitores. E ponderou que internet atualmente não é "só texto e foto": é preciso acompanhar a evolução das notícias pelo telefone celular.
A credibilidade do jornal, voltado para uma área onde interesses escusos são freqüentes, também foi abordada na entrevista. "Uma publicação tem que ter uma alma. Essa alma tem que ser minimamente reconhecida pelos leitores. Isso dá força ao projeto", afirmou. Walter de Mattos defendeu a tese de que o futebol poderia representar metaforicamente a construção de um novo país, devido à sua importância e penetração em todas as camadas sociais. E lamentou que a Justiça no esporte esteja atrasada e ainda aplique poucas punições.

Pressões externas

Alberto Dines perguntou como ser combativo e escapar das pressões. Walter disse que o Lance! trabalha para o torcedor e está alinhado com o interesse do leitor, para quem deve satisfação. E deu exemplo de duas formas como o jornal é pressionado: como operação jornalística e no aspecto empresarial. Na primeira, contou que os repórteres do Lance! são proibidos de ter acesso a informações da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) passadas fora das entrevistas coletivas. Para ele, a CBF utiliza outros veículos para "escoar" as notícias.
"Mesmo jornais que apresentavam uma postura mais crítica, como O Globo, no Rio de Janeiro, infelizmente tem dias que parecem o newsletter da CBF. Não no sentido da opinião, mas nos sentido de ser um escoadouro de todas as notícias que a CBF quer divulgar para o público", comentou. Para ele, chama a atenção que este fenômeno tenha começado a ocorrer em paralelo com um esmorecimento da postura crítica daquele jornal. Já a Folha de S.Paulo teria uma postura mais combativa, porém errática. Na mídia eletrônica, segundo ele, "não há jornalismo e crítica em relação à CBF".
Um exemplo de pressão empresarial é posição da empresa Nike, de artigos esportivos, de não anunciar no Lance! por pressão da CBF, "Eles tinham um crédito aqui e nem botar anúncio de graça eles quiseram para não ofender o grande monarca do futebol brasileiro que é o Ricardo Teixeira", criticou. Walter de Mattos disse que, individualmente, jornalistas de grandes órgãos mantêm postura crítica.
Em relação às pressões exercidas pelos clubes, o empresário citou a proibição à entrada dos jornalistas do Lance! no Vasco da Gama imposta pelo presidente do clube, Eurico Miranda, e disse que já houve casos de coação física. Líderes de torcida, manipulados por dirigentes, teriam ameaçado jornalistas. Por orientação do jornal, repórteres estariam entrando disfarçados no clube.

Corrupção no esporte

Dines abordou a situação do clube paulista Corinthians, envolvido recentemente em uma série de escândalos. Walter de Mattos disse que torce muito para que a situação do clube seja revertida e que não acredita "nesse modelo de administração de clube de futebol associativo com dirigentes amadores". Para ele, essa era acabou. Os clubes têm de ser geridos como empresas, pois os dirigentes amadores teriam "amor à camisa", mas muitas vezes deixariam o profissionalismo de lado. "O nosso problema é incompetência e corrupção. E o modelo errado", disse. Walter lamentou a falta de formação do jornalista esportivo para investigação, pois é preparado apenas para "apreciar a arte e a beleza do esporte".
O entrevistador criticou o fato de a cobertura dos casos de corrupção no futebol estar restrita aos cadernos esportivos. E perguntou se as denúncias do Lance! motivam os políticos a fiscalizar mais o futebol. "A classe política dá pouca importância ao esporte em geral", respondeu Walter. As exceções seriam o deputado federal Silvio Torres (PSDB-SP) e o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).
Sobre a falta de cobertura de outros esportes fora o futebol, fenômeno recorrente na imprensa brasileira, Walter de Mattos afirmou que está ocorrendo uma mudança lenta e gradual no panorama. As demais modalidades precisariam de ajuda de empresas privadas para se firmarem e, conseqüentemente, ter maior presença na imprensa. Para ele, não é possível competir com o futebol. "Por que alguém vai botar uma competição de vela se ela vai dar audiência pequena?", questionou. A solução para uma maior visibilidade seria a diversificação dos canais de mídia televisiva e a internet.
A Copa de 2014, que será realizada no Brasil, não poderá ser um evento meramente esportivo, advertiu o presidente do Lance!. O evento precisa ser pensado como um "meio", não um "fim". Projetos de transportes, telecomunicações e recuperação do Rio de Janeiro teriam que estar na pauta. "Espero que a gente possa fazer isto com transparecia, com controle social. Não fechado em gabinete", disse. Os gastos públicos deveriam ser geridos com a participação da sociedade. Para Walter, o projeto da Copa deveria ser acompanhado desde o início pela Controladoria Geral da União (CGU), órgão do governo federal que fiscaliza como são gastos os recursos públicos.

TV digital

"Os atuais detentores do poder de comunicação vão continuar sendo os detentores na fase digital", criticou Walter de Mattos. O empresário tem planos de investir em televisão, mas alega falta de acesso aos meios de distribuição. Para ele, os donos de TVs, legitimamente, não querem novos concorrentes. Caberia ao Estado representar a sociedade e promover a diversidade e a pluralidade. O presidente do Lance! acredita que não está havendo debate público sobre o tema no Brasil.
Walter de Mattos também criticou a legislação sobre a produção de conteúdo no país e citou dois casos onde é anacrônica. A mídia impressa está sujeita à legislação que impõe que 70% do capital da empresa sejam de editor nacional (artigo 222 da Constituição Federal); já no tocante aos portais de notícia não há legislação sobre investimentos estrangeiros. Outro exemplo é a falta de leis para os canais de TV por assinatura. "Você não pode ter limitação nos jornais e nas revistas e na TV por assinatura, não", criticou.
Dines finalizou a entrevista com perguntas sobre duas paixões suas: o time do América e o Rio de Janeiro. Para o presidente do Lance!, o América poderia ser uma "jóia" em qualquer divisão porque tem paixão e história, mas não pôde garantir se ainda há espaço para o time na primeira divisão do Campeonato Brasileiro. Em relação à volta do Rio de Janeiro como base da imprensa nacional, o empresário garantiu que o estado não perdeu totalmente a importância como pólo gerador de cultura. "Eu vejo com otimismo o renascimento desta vocação", disse.

Postado por: Victor Diniz Lopes

A PUBLICIDADE NA REVISTA DO GLOBO

Autora: Maria Helena Steffens de Castro

Faculdade de Comunicação Social/ PUCRS

GT2- História da Publicidade e Propaganda

INTRODUÇÃO

Há algum tempo desenvolvia-se um projeto sobre os principais ilustradores das capas da Revista do Globo (RG), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul. No decorrer dessa pesquisa, a área da publicidade despertou interesse já que a maior parte dos artistas que criava as capas também elaborava os anúncios publicitários da revista, muitos deles premiados em nível internacional. Pela constatação da sua presença na produção dos anúncios publicitários e pela riqueza e abundância dessa matéria, resolveu-se desenvolver um projeto de pesquisa sobre a propaganda desse período, já que a RG constitui o marco inicial da história das agências de publicidade do Rio Grande do Sul, quando a atividade sai do estágio de autodidatismo e, lentamente, vai se estabelecendo como uma profissão estruturada e reconhecida que figura, hoje, entre as principais do País, constituindo um importante mercado em volume de negócios no Brasil.

Por essas razões, resolveu-se analisar as relações entre os textos dos anúncios da Revista e a literatura, para verificar se esses discursos se articulam num processo de interações e condicionamentos estéticos, pois a publicidade pode ser considerada como portadora de uma linguagem artística, cuja complexidade, em vários planos, é reconhecida e os anúncios da RG nasceram nas mãos de escritores e artistas plásticos, que imprimiram características artísticas aos textos que produziram.

A EVOLUÇÃO DA PESQUISA

A Revista do Globo tem sido objeto de pesquisas em diferentes áreas, para o levantamento e recuperação de fontes históricas da literatura, da fotografia e da publicidade, porque foi um dos mais importantes veículos de comunicação que circulou no Rio Grande do Sul de 1929 a 1967. Nos seus 38 anos de vida, nunca deixou de ser publicada, mesmo enfrentando dificuldades advindas da Revolução de 30, da grande enchente de 1942 ou da Segunda Guerra Mundial.

Quanto à metodologia, o levantamento dos primeiros vinte anos de publicidade da RG previa uma tarefa árdua, pois obrigava o manuseio de 493 fascículos, tendo cada um, em média, 40 a 50 anúncios. A solução se encontrava no uso da informática, porque possibilitava a organização de um banco de dados que processasse, o mais rápido possível, as inúmeras informações contidas nas peças publicitárias. A projeção de um total de 27.000 anúncios apontava, desde a fase inicial da pesquisa, para um volume muito elevado de dados, que só poderiam ser consultados e cruzados com eficiência, através da informática. O programa escolhido foi o software micro-Isis, um gerenciador de banco de dados empregado na informatização de bibliotecas e utilizado em convênio com a UNESCO, adaptado mais tarde, para o Win-Isis.

Foram necessários três anos para a catalogação dos anúncios, tarefa realizada desde o início do curso com o auxílio de dois bolsistas de Iniciação Científica, técnicos e pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnologia da PUCRS que adaptaram e testaram o programa, acrescentando ou suprimindo campos de registro, em decorrência da riqueza de conteúdo da publicidade na RG. A ficha foi preenchida por anúncio, recolhendo dados sobre 25 campos, como por exemplo: ilustração, forma de texto, título, slogan, marca, tipo de apelo, etc, totalizando o elevado número de 25.792 fichas preenchidas. Como a publicidade na RG foi se estruturando paulatinamente, acompanhando o crescimento do periódico, foram realizadas entrevistas com publicitários e antigos funcionários da RG, com o objetivo de delimitar os campos mais significativos da ficha, a fim de que os resultados obtidos, atendessem aos propósitos da tese, bem como retratassem aspectos importantes da fase amadora da publicidade gaúcha.

Ao longo do processo de catalogação, as fichas foram constantemente revisadas, exigindo paciência e acuidade visual por parte do revisor. Foi necessário então, criar uma rotina de catalogação, de avaliação e de revisão, que garantiu a qualidade das informações obtidas sobre os primeiros vinte anos da publicidade no Rio Grande do Sul. Isso só foi possível devido às vantagens do catálogo informatizado, que possibilitou correções e atualizações de dados continuamente, o que seria impossível se fosse indexado de outra maneira.

Devido à extensão do corpus ao final da pesquisa, composto de 25.792 anúncios, realizou-se uma seleção que adotou critérios objetivos excluindo os anúncios repetidos, tendo permanecido 7.069 de inéditos. Destes, foram destacados aqueles veiculados na RG mais de vinte vezes, no período compreendido entre 1929 e 1949. Nesse novo corpus apareciam anúncios com textos predominantemente informativos, descrevendo as características do produto, sua utilidade e fornecendo o endereço da empresa, através de argumentos racionais, concretos e verificáveis, apoiados sempre nas qualidades intrínsecas do produto. Tais anúncios também foram eliminados do corpus por não apresentarem textos com apelos subjetivos, em que eram empregadas figuras de linguagem, com predomínio da função poética, possibilitando assim, a análise sobre a intercorrência de formas literárias. Para o corpus definitivo, selecionou-se um anúncio de cada campanha, com textos redigidos em forma narrativa, testemunhal, humorística, em formato de fotonovela ou em verso, atendendo a critérios qualitativos. Foram realizados também, cruzamentos entre “gênero” de anunciante e categorias predominantes, conforme tabelas em anexo.

O corpus ficou constituído de 40 anúncios ao final desse processo, e a exaustiva seleção não considerou o acaso, porque adotou uma metodologia científica rigorosa, responsável pelos resultados exatos e relevantes alcançados. Como efeito secundário, os dados ficaram disponibilizados para futuras pesquisas, em modalidade escolhida pelo pesquisador: listagens impressas ou gravadas em CD ROM, permitindo ainda consultas pela Internet, através do endereço eletrônico: www.ipct.pucrs.br/letras.

PERCURSO HISTÓRICO

A RG, publicada em Porto Alegre (RS), de 1929 a 1967 foi editada pela Livraria do Globo, de propriedade de Barcellos, Bertaso & Cia., sendo caracterizada pelo subtítulo “Quinzenário de Cultura e de Vida Social”, compreende um acervo de 942 fascículos, fontes inesgotáveis de informação, pois são testemunhas de outras tantas histórias além das publicadas em suas páginas.

Como a comunidade rio-grandense ressentia-se da falta de uma revista de promoção e divulgação das atividades culturais, José Bertaso, sensível ao apelo de amigos que ocupavam o Governo do Estado, fundou a RG que se tornou a vitrine da tradicional livraria da Rua da Praia e de sua editora. Sua aparição aconteceu numa época de extraordinário florescimento cultural no Estado, pois se lia muito e grupos de intelectuais se reuniam na entrada da Livraria do Globo para discutir questões políticas e culturais. A revista funcionou como um laboratório onde comunicadores, escritores e artistas expressavam suas idéias com total liberdade. Alguns editoriais da RG destinaram-se a justificar sua criação, como, por exemplo:

O homem moderno e culto não pode prescindir do seu jornal, de um bom livro, de uma ótima revista, seja como fonte de informações e conhecimentos, ou para a distração do espírito. A leitura predileta, entretanto, é uma boa revista, que reúne informações atualíssimas, leitura variada, instrutiva, – e excelente matéria recreativa. Penetrando no lar, a revista interessa a todos, desde o chefe da família e donas de casa, até as crianças.

Um artigo trata da influência das revistas, consideradas como expressão intermediária entre o livro e o jornal, com a vantagem de condensar as novidades, apresentando a medida certa do efêmero, além de substituir os longos e sérios livros teóricos por artigos de escritores do país que, ao expressarem seus valores, revelam a “vida-intensidade” do país.

O primeiro número da RG data de 5 de janeiro de 1929 e repercutiu de forma positiva no país. Em sua quarta edição, a RG publica um comentário do Jornal “O Paiz”, do Rio de Janeiro, comparando-a às melhores revistas do Brasil, graças a sua feição moderna e as suas originais ilustrações, criadas por artistas plásticos gaúchos. Publica também o artigo do Jornal “O Popular” de Caxias do Sul, lembrando que outras tentativas de editar revistas fracassaram “pelo hábito de transformar as páginas de uma revista, sustentada pelo grande público, em torrezinhas de exclusividades literárias”, inadequadas para a veiculação das notícias diárias. O autor do artigo enfatiza que a revista preenche os intervalos do trabalho, sintetizando os fatos do dia-a-dia, e informando sobre artes e ciência, sendo a “expressão renovada e elegante da mentalidade dominante, a atuar e influir sobre a classe social mais alta, que a lê”.

Mansueto Bernardi foi o primeiro diretor da RG, oportunizando a publicação de obras de autores gaúchos e nacionais, além da tradução de modernos escritores europeus, até embarcar para o Rio de Janeiro (1931), para assumir a Casa da Moeda, mas não sem antes convidar para trabalhar na RG o jovem Érico Veríssimo que chegava a Porto Alegre. A revista mudou várias vezes de direção, até ser conduzida por Érico Veríssimo, de abril de 1931 a setembro de 1932, que imprimiu feição nova ao periódico. Walter Spalding, em reportagem na RG, considera Érico Veríssimo o baluarte intelectual que fez “certa oposição silenciosa ao excesso lírico” que o poeta Da Costa e Silva imprimia na RG, pois “divulgava poucas matérias políticas e sociais, privilegiando a literatura”.

O pós-guerra havia trazido para a América um expressivo número de técnicos e artistas europeus, de várias especialidades, como Karl Ernst Zeuner, desenhista e gráfico de enorme experiência, que havia cursado a Academia de Artes de Leipzig. Contratado pela Editora Globo, passou a ensinar suas habilidades a um grupo de artistas, iniciando-os em artes gráficas e projetando-os depois fora do país. Zeuner dirigia esse grupo acomodado no último andar do prédio “da Globo”, com largas janelas que permitiam apreciar o Rio Guaíba e as chaminés das indústrias do bairro Navegantes. A redação da RG, no início, ficava junto à Seção Editora. Os desenhistas se entregavam, também à criação de peças publicitárias e permaneciam, a maior parte do tempo, inclinados sobre suas pranchetas, sendo orientados por Zeuner, mestre na arte do cartaz e do retrato.

Nesse grupo encontravam-se vários artistas plásticos: Edgar Koetz, muito jovem, mas excelente desenhista de letras e ilustrador de contos, sendo que mais tarde desenhou algumas das melhores capas da RG; Nelson Boeira Faedrich, que além de desenhista era jornalista, cenógrafo, decorador e ilustrador, trabalhando nas Empresas Globo desde o ano de 1931.

Gastão Hofstetter, veio para a Editora Globo três anos depois e se revelou um original desenhista e litógrafo, criando também algumas capas da RG, inclusive duas comemorativas do Natal, ao vencer o concurso interno, realizado anualmente pela RG, para a escolha do artista que criaria a capa natalina. Um dos vencedores desse concurso foi Nelson Boeira Faedrich, em dezembro de 1935, com um anúncio colorido, de página inteira que representava os três reis magos oferecendo ao leitor: um barril de Chopp, uma garrafa de “Guaraná” e uma de cerveja “Oriente”, todos produtos da Cervejaria Continental.

Zeuner ilustrou também alguns anúncios, mas não priorizou o trabalho publicitário, considerado então como uma arte menor, já que se envolvia com a venda de produtos, o que levava os desenhistas a dedicarem-se mais à ilustração de capas e contos que eram publicados na RG. A marca da Editora Globo, representando um globo terrestre, foi de sua autoria e funcionou, por largos anos, como símbolo de identificação de obras editadas pela empresa. Assim, sob a sua orientação, um grupo de destacados artistas fez parte da redação do periódico confeccionando capas, ilustrando contos, projetando coleções de livros e desenhando anúncios. Alguns deles já eram artistas plásticos reconhecidos, na década de 30, como João Fahrion, Edgar Koetz, Nelson Boeira Faedrich, João Faria Vianna, Sotero Cosme; outros ali se iniciaram no ofício como Vitório Gheno, João Montini e Adão Kuwer.

Nos vinte primeiros anos da RG foram atendidos 7069 anunciantes. Em 1929 foram relacionados 291 clientes, mantendo essa média até o ano de 1938 quando passou a atender 414 anunciantes, estando o periódico sob a direção de De Souza Junior, jornalista que imprimiu maior dinamismo a todos os setores. No final dos anos 40, com Henrique D’Avila Bertaso na direção, a publicidade da RG tinha 485 anunciantes.

A revista logo se tornou um dos mais importantes meios de divulgação da vida econômica e cultural do Estado. Junto com as matérias que mencionavam a acelerada modernização da cidade na década de 30, apareciam as que tratavam da competição comercial que obrigava grandes companhias a recorrerem a processos originais de propaganda para oferecer e vender seus produtos, “já que não se lança no mercado nenhum produto sem essa intensa preparação do espírito público, de modo a ser oportunamente criada uma atmosfera de viva curiosidade entre a massa dos prováveis futuros consumidores”.

Um dos primeiros publicitários gaúchos, Julio Costa, fez quatro capas para a RG, além de um encarte para a Casa Masson, anexado à edição comemorativa de Natal, em 18 de dezembro de 1943, com desenho a bico de pena das peças que a loja vendia e poderiam ser compradas pelo Serviço de Reembolso Postal, em qualquer parte do Brasil. Os trabalhos dos artistas plásticos citados e de outros que ilustraram anúncios, compõem hoje o rico acervo da memória da publicidade gaúcha.

Nos anúncios da RG dos primeiros anos da década de 30, constatou-se o amadorismo da profissão, pela diversidade nos formatos, pela imprecisão na periodicidade e localização das páginas. Quando a revista começa a ter clientes ligados às empresas multinacionais, os funcionários aprendem a técnica norte-americana de propaganda comercial e imprimem um caráter mais profissional na criação das peças publicitárias. À medida que eram lançados novos produtos, a publicidade na RG mais se avolumava em quantidade e se multiplicava numa grande variedade de gêneros e marcas, anunciados com muita criatividade.

Na RG, esse trabalho foi realizado, por Benjamin Thiers Gonçalves Raposo, que durante muitos anos estabeleceu o contato com os clientes, e por Evaristo Santos Seródio que, em 1937, assumiu a direção do departamento de pequenos anúncios, denominados hoje classificados, que divulgavam serviços de profissionais liberais. No mesmo ano afasta-se da RG e cria a “Empresa Concessionária Publicidade Seródio”, localizada na loja 34 do Abrigo da Praça 15, continuando a comercializar as assinaturas e anúncios de profissionais liberais e estabelecimentos comerciais da RG, conforme nota publicada.

Também a Livraria do Globo oferecia tal serviço, pois, como não tinha profissional especializado em propaganda, quem soubesse desenhar e estivesse disponível ilustrava o anúncio, desenhava as letras e escrevia o texto. Se o tipo de letra usado em uma campanha fizesse sucesso, logo era copiado por outros profissionais. Quando diminuía o impacto junto ao público, criavam-se novas formas.

Os primeiros fascículos da RG não apresentam planejamento gráfico regular com definição sistemática dos espaços ocupados pelos anúncios. Esses aparecem, quase sempre, em página inteira, em uma coluna ou em formato 8 x 12,5 cm, mas não ocupam espaço fixo dentro do periódico. O intervalo entre as alterações dos anúncios era longo e lento, produzindo-se num espaço de cinco meses em média, porque o número de produtos era pequeno e não havia concorrência, resultando, então, escassa demanda para novas campanhas publicitárias. Os textos dos anúncios eram longos e orientavam sobre as propriedades e uso do produto, muitos deles recém-chegados ao mercado.

Uma tentativa de organizar a publicidade aconteceu no final dos anos 30, quando os anúncios eram distribuídos preferencialmente entre as páginas quinze, dezessete e dezenove, desaparecendo essa norma nos anos seguintes. Também não havia periodicidade específica para a produção de materiais promocionais, uma vez que as empresas basicamente solicitavam os textos e ilustrações a pessoas habituadas a redigir e desenhar uma peça publicitária. “O anúncio pronto era entregue diretamente aos jornais e não existia os 20% de comissão da agência”.

O Departamento de Publicidade da RG divulgava seus serviços na folha de rosto dos fascículos. Aceitava, sem compromisso, qualquer solicitação sobre propaganda, fornecia orçamento, sugestões, desenhos e encarregava-se também, de reportagens comerciais. Tais reportagens eram ilustradas com fotos dos eventos e apresentavam variadas informações: inaugurações de empresas comerciais e industriais, consultórios médicos e dentários, atividades recreativas para férias coletivas de funcionários, equipamentos novos adquiridos, viagens de executivos, etc. Na primeira década, as informações eram publicadas gratuitamente assumindo o caráter de reportagem. Em 1945, a RG publica um editorial informando que os leitores têm escrito solicitando esclarecimentos a respeito desse serviço ou propondo negócios para reportagens idênticas. Esclarece que, para evitar dúvidas sobre o caráter das matérias, a RG acrescentará, em epígrafe, o termo “Publicidade”, sempre que a reportagem for paga.

Os homens que faziam publicidade passaram de corretores de classificados em jornais, para redatores do anúncio, preparando o texto, ilustrando-o e distribuindo-o dentro do espaço da página. Realizavam muitas vezes esse trabalho em casa, para preservar a “aura” de artistas plásticos, evitando identificarem-se com criadores de anúncios.

Como afirma Carlos Scarinci, a Escola de Artes nos anos 40, única no Estado, agia no sentido do academismo, limitando a arte à repetição do já conhecido, do certo e do permanente, legitimado por uma tradição inquestionada. Só o trabalho para as editoras , e da Livraria do Globo particularmente, é que permitia o início de uma consciência mais profissional, que foi se abrindo, pouco a pouco, para os problemas de uma arte comprometida com a atualidade e com sua distribuição coletiva..

A Livraria do Globo foi pioneira nas artes gráficas do país, no que se refere a ter adquirido a primeira máquina de compor em linotipia, a primeira de impressão tipográfica automática e a primeira de impressão “off-set” a duas cores, achando-se assim aparelhada para atender os clientes de trabalhos litográficos com maior presteza, oferecendo um melhor acabamento em seus trabalhos. A instalação do primeiro linotipo em Porto Alegre, em 1909, representou um grande passo, que colocou as oficinas gráficas “da Globo”, muito a frente das demais, em matéria de tecnologia gráfica.

Houve tipógrafos dos concorrentes, que pediam licença para ver de perto se a tal bruxaria funcionava mesmo e saíam boqueabertos ante a confirmação de que a máquina trabalhava praticamente sozinha, como se tivesse um cérebro para compor as linhas de chumbo. (LESSA, 1993, p.9).

Todo artista contratado passava antes pelas oficinas da livraria para aprender com Zeuner a arte litográfica. Vitório Gheno afirma que Zeuner ensinou muito, até mesmo como dispor das letras em um anúncio, o que denominava de “anatomia das letras”, já que a ilustração das capas de livros e dos anúncios exigia o desenho manual dos títulos e subtítulos, colocados de forma estética para chamar a atenção do leitor. As letras eram copiadas de cadernos vindos da Alemanha, mas muitas vezes também criadas pelos artistas, de forma original ante o incentivo de Zeuner. Desse modo, as oficinas litográficas da Seção Editora da Livraria do Globo prepararam também esses ilustradores para trabalharem no mercado publicitário da época.

Em Porto Alegre já existia a “Star” – Sociedade Técnica de Anúncios e Representações, criada por Arthur do Canto Júnior, em 1º de maio de 1932, depois de adquirir experiência ao cuidar do balcão de publicidade da Livraria, onde aprendera a estruturar, redigir e distribuir os anúncios nas páginas de periódicos. A “Star” entretanto não tinha estrutura de agência de propaganda, mesmo assim, produziu peças publicitárias que se destacaram em jornais e revistas, para clientes como Varejo Bromberg, Joalheria Amabile, Cerveja Continental, Sapataria Simpatia e Casa Barreto, entre outras. Segundo Mafuz (Castelo Branco et al, 1990) a “Star” era mais uma distribuidora do Diário da União do que empresa de propaganda, mas nela atuaram grandes nomes da propaganda gaúcha como João Pedro Moura, João Stepler, Carlos Regius entre outros.

Como já havia um estúdio de arte formado por grandes profissionais e uma equipe de redação da RG, a criação de uma agência publicitária própria transcorreu de forma regular. A prestação de serviços também se ampliava e se diversificava e o grupo “da Globo”, em 6 de junho de 1947, constituiu a “Clarim Empresa de Publicidade Ltda.”, inicialmente uma agência da casa, mas logo passando a prestar serviços ao empresariado gaúcho.

A Clarim foi organizada por Regius, para criar os anúncios na própria Livraria do Globo, para clientes interessados na mídia da RG. Os irmãos Bertaso aprovaram a idéia, pois se convenceram de que seria um grande negócio, uma vez que tanto o estúdio de arte da agência como a Redação, formada pela seção da RG, já estavam funcionando, bastando aproveitá-los como publicitários.

A Livraria do Globo precisava de um profissional de propaganda para gerenciar seu departamento, bem como sua publicidade e Carlos Régius já trabalhara antes nas empresas Globo, onde aprendera a foto-gravura, esteriotipia, tipografia, impressão e litografia, que colocara em prática na “Star”, quando lá trabalhava, ocupando vários cargos. Régius passou a administrar a publicidade da RG, planejando os anúncios de livros lançados pela Editora e de peças importadas como Linguafone, máquinas de escrever Royal e calculadora Friden. Assim, na própria Livraria foram criados os anúncios de clientes interessados na mídia da RG.

O estúdio de arte da “Clarim” foi dirigido por Zeuner, que exigia de sua equipe conhecimentos técnicos de layout publicitário. Segundo Gomes, (2001), a exigência não representou maiores dificuldades , uma vez que o grupo de artistas já criava anúncios para a RG, há vários anos, além de rótulos, letras, cartazes, etc..

A Clarim é considerada a primeira agência realmente estruturada do Estado e, mesmo sem dar exclusividade para os anúncios das empresas “da Globo”, imprimiu mais modernidade à publicidade gaúcha. Nessa agência atuava uma equipe de bons profissionais, um departamento de artes considerado o melhor do Brasil e um grupo de clientes que já se beneficiavam do parque gráfico da Editora Globo, bem como de sua assessoria técnica. “A empresa iniciou com um capital social de duzentos e cinqüenta mil cruzeiros formada por dezessete sócios, destacando José Bertaso, Érico Veríssimo, Antonio Barata, Hamilcar de Garcia e Carlos Régius”. Na redação dos anúncios aparecem Isaac Cruz, Hamilcar de Garcia e Antonino Pinto Jung, redigindo textos para as empresas Steigleder, Springer, Rheingantz, Vinhos Michelon, Metalúrgica Wallig, Gazola, Loteria do Estado, Santa Cruz Seguros, Importadora Americana, Casa Mac, Canetas Victor, todos clientes da Clarim.

Os Bertaso organizaram assim um excelente Departamento de Propaganda para suas empresas que, ao lado do atendimento dispensado à casa, atendia clientes de fora. Carlos Régius na gerência da Clarim e o jornalista Antonio Barata, homem de redação, juntamente com todo o grupo de desenhistas, formavam a equipe básica da agência, que publicou seu primeiro anúncio na RG, em nove de agosto de 1947, em peça publicitária criada por Zygmund Haar.

Nessa agência formou-se um departamento de arte integrado pelo melhor grupo de artistas do país, formulando uma linha de serviços que compreendia o logotipo, a embalagem, o desenho industrial, o rótulo, o cartaz, a vitrina e o anúncio. O trabalho de artistas como Edgar Koetz, Vitório Gheno, os irmãos Haas, Nelson Boeira Faedrich e outros definiu a Clarim como formadora de talentos e uma das melhores em criatividade publicitária.

Tal é o caso de Julio Costa, que criou anúncios para a Casa Masson, por mais de trinta anos, publicados na RG e nos jornais locais. A Masson enviava as jóias para sua casa, onde ele as reproduzia a “bico de pena”, com tanta fidelidade, que desenhos de relógios, feitos por ele, foram utilizados em anúncios de revistas estrangeiras.

As peças litográficas, na época, eram impressas numa pedra especial, vinda da Alemanha. Só depois a ilustração publicitária evoluiu para as gravuras em zinco, até chegar ao fotolito. A arte litográfica só continuou a ser usada pelos artistas, para suas obras individuais, por ser um método difícil de reprodução em grandes quantidades. Como solução, em dezembro de 1938, a Livraria do Globo inaugura em suas oficinas uma máquina de impressão litográfica-off-set, adquirida na Alemanha, possibilitando realizar até 47.000 impressões por hora e destinada à realização de encomendas de grande porte. Na sua inauguração imprimiu milhares de rótulos da Cervejaria Continental, constituindo-se o primeiro trabalho publicitário realizado em “off-set”, elaborado nas oficinas da Globo.

Alguns artistas escolhiam os clientes como Ernest Zeuner, que realizou trabalhos para Fogões Geral, Varig, Elixir Bi-iodado Santo Expedito; Nelson Boeira Faedrich, ilustrou anúncios da Casa Victor, Varejo Bromberg, Cerveja Continental, Refrigerador Kelvinator; Pelichek assinou peças da Livraria do Globo; Gastão Hofstetter, desenhou para a Casa Victor, a Formamint e a Wallau entre outros clientes; Vitório Gheno fazia as ilustrações e “montava” os textos dos anúncios das Lojas Renner, desenhando figuras femininas e artigos de vestuário, muito valorizados pela empresa.

“Nessa fase o trabalho do desenhista não era bem remunerado, o que só aconteceu com o profissionalismo das agências que concorriam entre si, para ter os melhores desenhistas no departamento de criação”. Esses anúncios começaram a dar forma a uma criação publicitária gaúcha, reflexo do sentimento de cada artista frente ao produto que deveria desenhar.

Alguns desses artistas , no final da Segunda Guerra, foram estudar fora do país, como Edgar Koetz e Vitório Gheno que tentaram viver na Argentina, trabalhando em editoras e jornais portenhos. Honório Nardin os acompanhou, passando a ilustrar livros infantis e colaborando com as revistas “Maribe” e “Vosotras”. Contudo, até certo ponto, Buenos Aires foi uma decepção para os rapazes. Centro talvez vinte vezes maior do que Porto Alegre, não havia ali o esperado “ambiente artístico” sonhado por eles. Com a partida desses talentos ilustradores, a Seção de Desenho começou a se enfraquecer. Os que ficaram ao lado de Zeuner, começaram a receber convites para atuar em outras agências de publicidade, que foram surgindo em Porto Alegre.

Cerca de 13% dos anúncios já usava frases de efeito (slogan), como a Casa Victor, que adotou “A voz do dono”, agregada ao símbolo do cachorrinho, para funcionar como unidade visual de seus anúncios; Cerveja Continental ficou conhecida como “a marca que por si se impõe”; Saphrol era o “poderoso tônico dos pulmões”; Seguros Sul América propagava seu serviço “firme como Pão de Açúcar”; Casa Masson se distinguia por ser “a casa dos presentes finos”; Casa Seabra era procurada por vender “calçados de alto luxo”; Royal Briar ficou famoso como “o perfume que deixa saudades”, e o Baton Colgate, por divulgar por longos anos seu slogan, “o coração bate com Baton Colgate”.

A Clarim foi a primeira agência a organizar um laboratório fotográfico, em que se destacava Zygmund Haar, realizando experiências novas em fotografia, com desenhos de Nelson Boeira Faedrich. Zygmund e seu irmão Leopoldo criaram, na Livraria do Globo, vitrinas com modernos leiautes, construindo belos cenários em papier maché. Realizaram obras originais que eram admiradas pelas pessoas que desfilavam pela Rua da Praia, em elegantes vestidos, num ritual coletivo de sedução, pois na década de 30 o comparecimento diário ou semanal à Rua da Praia era condição básica para quem quisesse existir socialmente, como se observa em um artigo do Diário de Notícias:

Hoje é o grande dia mundano da rua da Praia – o dia da moda, como é chamado. Vê-la das quatro horas da tarde em diante, é ver a formosura feminina da cidade agitar-se no 'trottoir', é vê-la surgir nas faceirices de suas 'toilettes', caras ou econômicas (...). Em seguida, a onda dos cortejadores que, estacionados nas esquinas, nas portas, nas ‘vitrines’, assistem ao elegante desfilar dessas criaturinhas gentis, que tão amavelmente sabem distribuir o olhar e o sorriso.

Uma vitrina original, então constituía estratégia de vendas de grande eficácia como espaço de comunicação e de permuta de valores, pois o produto exposto era apreciado por um grande número de pessoas que circulava pela Rua da Praia. Para o lançamento do livro “O esqueleto no festim”, da Coleção Amarela, por exemplo, a equipe da Clarim expôs um esqueleto, causando muitos comentários na cidade, sendo que alguns viram no esqueleto, os restos de parentes seus, obrigando a Livraria do Globo a mudar o tema da vitrina. Outro cenário que chamou atenção e suscitou muitos comentários foi a colocação de um livro gigante, reproduzindo a capa de “Saga”, de Érico Veríssimo, ocupando todo espaço da vitrina.

Baudrillard (1973), ao comentar a importância da vitrina nas práticas urbanas consumidoras, afirma que elas estabelecem uma comunicação não tanto dos indivíduos com os objetos, mas dos indivíduos entre si, ao contemplarem os objetos e reconhecerem os valores que representam na sociedade.

Apesar do crescimento e modernização da Rua da Praia, nem todos os comerciantes ali instalados mostraram-se abertos para as novas formas de fazer publicidade, adotando ainda costumes provincianos, como mostra um artigo da RG, criticando o fato de as vitrinas serem apagadas e fechadas ao cair da tarde, deixando a cidade com um aspecto desolador, quando muitas pessoas ainda passeavam pela Rua da Praia para olhar as novidades das lojas. Salienta o artigo, que:

Em todos os lugares de certa importância em que o comércio adiantado adote a moderna propaganda como um meio de promover o aumento dos negócios, todas as casas situadas no perímetro central dedicam esforços apreciáveis e montam as mais vistosas vitrinas, arrumadas com arte, conservando-as iluminadas até alta-noite.

A eclosão da Revolução de 30, que afetou a economia do país, não fez decrescer os anunciantes da RG, uma vez que o setor da publicidade viveu dias movimentados, com o aparecimento de grandes organizações comerciais com novos produtos para a higiene e beleza da mulher, embora os que veiculassem classificados e anúncios de medicamentos continuassem na liderança, “com vendas em todas as pharmacias e drogarias do Brasil”.

O Rádio ensinou novas formas de comunicar que atingiam, também, um público nãoletrado, alcançando grande sucesso com sua maneira coloquial de anunciar que mantinha uma relação mais direta com os interlocutores. Anunciantes como Colgate, Palmolive, Gessy, Lever, Kolynos, logo entraram no mundo do espetáculo no Brasil, patrocinando programas de rádio e usando suas estrelas em anúncios, com depoimentos sobre os benefícios do produto. Empresas de rádio anunciavam nas páginas da RG, já nos anos 30, como a Rádio Difusora, “a onda alegre da cidade”. Em 1938, a RG publica uma reportagem sobre a televisão informando que nos estúdios de Alexandra Palace, em Londres, já se realizavam testes de transmissão de televisão, pelos sistemas Marconi e Bair, sempre com ótimos resultados, podendo “uma pessoa muito descansada, em sua casa assistir a eles, vendo e ouvindo”.

Alguns anunciantes já faziam, na década de 30, tentativas de interação com o leitor em promoções de venda, oferecendo folhetos explicativos sobre o produto, livros de receita de cozinha ou de trabalhos manuais, bem como a distribuição de amostras do produto para o leitor que preenchesse os dados dos cupons colocados à margem do anúncio. Esses cupons constituem as primeiras tentativas de julgar a eficácia das campanhas em termos de resposta do cliente, ou recall e se manifesta no momento que o leitor recorta o cupom, preenche os dados e coloca no correio, envolvendo-se com a marca do produto em vários outros momentos além da leitura do anúncio.

Os primeiros anunciantes da RG a utilizar tal processo foram Sarowal, Dagelle, Tintura Fleury, Creme Procutol de Santa Catarina, Maisena Duryea, Companhia de Seguros São Paulo, Máquinas de Costura Singer, Hormo-Vivos, Clube do Livro sendo seguidos por outros como Modess, Lãs Sams, Baton Tangee, Curso de Contabilidade do Instituto Universal, Pond’s, Livraria José Olympio, etc. Já os anunciantes de cremes ofereciam folhetos de orientação sobre os cuidados com a pele, bem como amostras do produto, que eram entregues em casa, por reembolso postal.

Outros anunciantes que realizavam a venda de produtos por reembolso postal, colocavam também, à margem do anúncio, um cupom para ser preenchido com os dados do leitor e a forma de pagamento. A própria RG oferecia assinatura por reembolso postal, em 1929. Esse tipo de transação também foi utilizado pelo Baton Tangee, na venda de um estojo de maquilagem em quatro cores e pela empresa M. T. Rosemberg, instalada no Rio de Janeiro, que vendia jóias a serem pagas “por vale postal, registrado com valor declarado ou ordem bancária e entregue na casa do cliente”.

Essa interatividade com o leitor era inovadora na publicidade e favorecia a organização de um cadastro com os dados dos clientes, para futuros contatos e vendas. Hopkins (1997) afirmava que o leitor, ao ler um anúncio, podia desviar sua atenção para olhar uma fotografia ou para absorver-se com um conto, que aparecia ao lado na revista. Por isso, o anunciante de reembolso postal, tendo conhecimento dessa distração através de testes realizados, insere um “cupom-lembrete” para ser recortado, motivando o leitor a uma ação de compra. “Os resultados provam que esses anúncios são os melhores vendedores que tais ramos de negócio já descobriram e dão lucro” (p.14).

Entre os anunciantes que ofereciam amostras de produto está o Baton Niura, sempre que o leitor enviasse o cupom preenchido ao endereço anunciado. O pó de arroz Air Spun da Coty ofertava uma embalagem reduzida do produto a quem escrevesse para a empresa, o mesmo fazendo a empresa Johnson & Johnson, que enviava uma amostra do creme Pond’s ao leitor interessado. Já o anunciante Paulo Diamant, fabricante gaúcho de bolsas, botas, carteiras, sapatos, cintos, colou um pedaço de couro, tingido de azul, no anúncio, para o leitor sentir a textura do material dos artigos fabricados pela empresa criando nele “uma atmosfera de respeito, um desejo, uma expectativa” (HOPKINS, 1997,94).

Avançando na técnica, a publicidade na RG mostrava as primeiras promoções de venda sob a forma de “compras casadas”, cujos anúncios ofereciam um creme dental Colgate de brinde, na compra de dois sabonetes Palmolive.

O início da Segunda Guerra Mundial não chegou a afugentar os anunciantes da RG, mas a falta de papel a obrigou a adiar edições de fascículos já em abril de 1940, uma vez que os fornecedores eram alemães. De qualquer forma, a publicidade viveu um período paradoxal, com anunciantes voltados, de forma dominante, para o esforço bélico, como aconteceu com a Companhia Energia Elétrica RioGrandense, que realizou várias campanhas diretas de combate ao nazismo, imprimindo no anúncio um logotipo de incentivo à compra de bônus de guerra e apelando para “o cuidado com o que você vê, ouve e fala, pois a “Quinta Coluna” trabalha contra o Brasil”.

A empresa americana Esso exaltava o fato de o continente ser o único que ainda não ouvira o estrondo de uma bomba de guerra, pois “somente nas Américas, bomba ainda é símbolo de progresso e paz – a bomba de gasolina”. Também o vinho Silva Araújo, em longas campanhas, propagava a homens e mulheres que “só sendo forte, você poderá formar ao lado dos fortes”. Já Meias Lobo avisava a seus clientes, que a produção não poderia ser aumentada sem a perda da qualidade do produto, assim “limite-se a comprar somente o necessário, para que o maior número de consumidores possa ser servido”. A Livraria do Globo, ciente dos problemas enfrentados para a importação de máquinas de escrever Royal, orientava o leitor sobre os cuidados que deveria ter para a conservação do produto, mas em caso de avarias mais sérias, “mande proceder a uma reconstrução geral com substituição das peças desgastadas”. É possível observar como a publicidade modifica as diretrizes adotadas em situação normal de venda, quando se defronta com fatos graves que inibem a produção, como uma guerra mundial.

Em 1941, a RG publica um artigo de Aldous Huxley sobre “A difícil arte de escrever um anúncio”, afirmando que é mais fácil escrever dez sonetos suficientemente bons para satisfazer um crítico pouco exigente, do que escrever um único anúncio para induzir milhares de pessoas a comprar um produto, pois o poeta ao escrever um soneto pensa em si mesmo e o publicitário deve pensar em muitas pessoas diferentes dele e que vão ler o anúncio. Diz o escritor, que “os redatores de anúncios, não podem ser líricos, obscuros ou esotéricos, e sim universalmente inteligíveis, usando da elegância e distinção para anunciar um produto”. Por isso, o anúncio deve ser compreensível e influir diretamente no comprador, ao mesmo tempo em que apresenta a concisão de um epigrama, “constituindo-se enfim numa das formas literárias mais rebeldes”. Afirma também, ser necessário que o estilo e as idéias sejam suficientemente lúcidas e simples para que todos compreendam a mensagem. Por esse motivo, na sua opinião ninguém deveria vangloriar-se de sua faculdade de encontrar “a palavra exata ou de seu estilo alinhado, se não tentou escrever um anúncio para um produto de que o público não necessita e que é preciso convencê-lo a comprar”.

A publicidade começou a perder seu caráter romântico nos anos que se seguiram ao pós-guerra e passou a ser vista pelos críticos como um grande negócio, substituindo os elementos educativos e poéticos por estratégias de vendas.A política dos anos 50 levou a Globo a enfrentar problemas financeiros até 1967, o que inclui o fechamento da “Clarim” e da RG, que não conseguiu ajustar-se à publicação de novas revistas de grande tiragem, editadas pela Editora Abril, de São Paulo e da Editora Bloch, do Rio de Janeiro. Outra tentativa de adequação aos novos tempos aconteceu em 1957, quando a RG modificou-se radicalmente, colocando gente jovem na redação, trabalhando com novos temas em reportagens e artigos, realizando experiências pioneiras, também em fotografia. Apesar disso, a RG sobreviveu até fevereiro de 1967, declinando lenta e definitivamente, sem condições de acompanhar a onda de modernização que atingia o jornalismo brasileiro.

Entretanto, coube à RG a função de tornar pública a existência de determinados produtos, marcas e serviços, despertando o desejo em seus leitores para os objetos que anunciava, tornando-se assim, um espaço privilegiado de divulgação das novidades do mercado brasileiro.

As demais citações sobre a Revista do Globo serão indicadas pela sigla RG.

A matéria que consta neste capítulo é resultado, em grande parte, da pesquisa feita na própria RG, pela autora.

RG n.265, de 16/12/1939, p.77.

RG n.10, de 25/05/1929, p.10.

RG n.4, de 16/02/1929, p.5.

RG n.863, de 04/01/1964, p.15.

RG n.17, de 06/09/1934, p.20.

Segundo Vitório Gheno, em entrevista concedida à autora, em 23/08/1999.

RG n.14, de 03/08/1929, p.14.

RG n.214, de 25/09/1937, p.4.

O talento nosso de cada dia. Entrevista com Júlio Costa. Jornal do Meio, dezembro de 1986.

RG n.388, de 09/06/1945, p.1.

Anúncio da RG n.219, de 22/12/1937, capa II.

Entrevista realizada pela autora, em 23/08/1999.

Entrevista com Vitório Gheno, em 23 de agosto de 1999.

EPISÓDIOS DA PROPAGANDA GAÚCHA. Cadernos da ARP, n.1.

RG n.220, de 14/01/1938, p.28.

Entrevista com a filha de Julio Costa, Julisa Costa Linck, em agosto de 2000.

A cidade. Diário de Notícias, Porto Alegre, 24/06/1925, p.3.

RG n.29, de 15/03/1930, capa IV.

RG n.165, de 20/07/1935, p.27.

RG n.242, de 21/12/1938, p.89.

RG n.390, de 14/07/1945, p.15.

O autor escreveu este livro em 1923 e R. Reeves publicou-o quinze anos depois, tendo mais de doze edições. Seus ensinamentos foram logo adotados pelos homens que trabalhavam em publicidade.

RG n.225, de 29/1/1938, p.71.

RG n.468, de 24/07/1948, p.19.

RG n.151, de 12/12/1934, p.166.

RG n.258, de 26/08/1939, p.6.

RG n.329, de 01/11/1942, p.49.

RG n.361, de 06/05/1944, p.49.

RG n.402 ,de 12/01/1942, p.11.

RG n.361, de 22/04/1944, capa IV.

RG n.301, de 09/08/1941, p.6.

Texto postado por Marcello Dantas