sexta-feira, 23 de novembro de 2007

O inferno de Aguinaldo Silva



O inferno de Aguinaldo Silva
Ameaças de morte, queda no Ibope e stress - o autor de Duas caras quase desistiu da novela

ELIANE LOBATO

Em matéria de Ibope, o autor Aguinaldo Silva conheceu o paraíso e o inferno nos últimos dez anos. Teve a melhor audiência da década com a sua novela Senhora do destino. Com a atual, Duas caras, também no horário nobre da Rede Globo, carrega o título de pior pontuação de segundo capítulo desde 1997: 35,5 pontos. Em entrevista a ISTOÉ, ele admitiu, pela primeira vez, que a novela começou mal mesmo: "Os capítulos eram meio dark. Eu estava vivendo um problema pessoal e isso acabou se refletindo no campo profissional, mas já passou, o trabalho entrou agora no tom habitual. Estou feliz e tenho consciência de que esta é a minha melhor novela, a mais cirúrgica, a mais apurada." Aguinaldo Silva não revela qual é o problema pessoal. Mas tornou público em seu blog um outro fato grave que o abalou profundamente: estava sendo ameaçado de morte em telefonemas anônimos. Chegou a pensar em deixar o País e interromper a novela. Some-se a isso os números do Ibope: todo o Projac sabe que queda na audiência da novela das oito é motivo de stress na emissora e Aguinaldo Silva não está imune a essa cobrança, ainda que ele afirme que não tem sofrido pressão alguma da Rede Globo.
"Ontem (segunda-feira 12) tinha 66% de aparelhos ligados e 41% estavam na novela", diz o autor. Provavelmente, na sexta-feira 16 ele terá mais motivos para comemorar depois que a dançarina Alzira, personagem interpretada por Flávia Alessandra (a campeã de cartas da Globo), aparecer totalmente nua. Essa é, certamente, uma das mexidas para tentar se livrar do inferno. Outras também virão e se referem à inclusão de mais humor e graça, embora isso não signifique o abandono das abordagens polêmicas - homossexualismo (por meio do personagem de Thiago Mendonça), preconceito racial (enfrentado pelo casal interpretado por Débora Falabella e Lázaro Ramos), especulação imobiliária, etc. "É uma novela de alto risco, mas se não tiver risco não tem graça", diz o autor, que já explorara o realismo fantástico em folhetins anteriores e agora ataca só de realista - a vida nua e crua, sem alegorias. "Eu queria fazer uma novela politicamente incorreta, que saísse dos limites, que pesasse a mão sobre determinados assuntos e que fosse realista", diz Aguinaldo Silva.
HOMOFOBIA Personagem de Thiago Mendonça (à esq.) é vítima de deboche
Na semana passada foi ao ar uma cena que simboliza bem esse conceito. Um homem sofre um acidente com seu carro repleto de alimentos numa avenida do Rio e Janeiro e o que fazem as pessoas ao vê-lo imóvel, machucado e preso pelo cinto de segurança? Saqueiam a carga que ele transportava e roubam seus pertences pessoais. "Isso é real, aconteceu com um amigo meu. Ele usava dentadura e até isso roubaram!" Cenas de vida dura como essas causaram certa reação no início, como diz o próprio autor: "As pessoas ficaram chocadas, mas agora começaram a embarcar." Ele lembra que Duas caras está em seu primeiro mês de vida e que, portanto, passa pelo "período de maturação". Mas que ninguém espere os altos índices do passado porque a televisão brasileira sofre inegáveis transformações. Entre 2005 e 2007, por exemplo, a audiência do horário nobre diminuiu quase sete pontos. Aguinaldo Silva arrisca explicar: "As pessoas lêem menos jornais e vêem menos televisão. Mas consomem mais DVDs, especialmente piratas, são campeões em freqüência no Orkut, ficam muito na internet."

ALTO RISCO Segundo Aguinaldo Silva, não tem graça fazer novela que não ouse ou incomode

"Verissimo é bem tratado. Autor de novela só leva paulada"

ISTOÉ - O sr. tem respondido a críticas, feito críticas. Anda tenso?
Aguinaldo Silva - Ando é cansado deste desdém em relação ao trabalho em tevê, mais da chamada imprensa especializada, que chega ao limite da baixaria. Como eu tenho um blog, falo quando acho que vai contra a verdade. É tudo pensado friamente, não é rompante.

ISTOÉ - Esse "desdém" é só com novela?
Silva - Com o trabalho em tevê. Vou dar um exemplo: o Luis Fernando Verissimo. Ele é simpático, cronista mediano, tem alguns livros bastante fraquinhos, mas eu nunca li uma crítica dizendo isso. Ele é tratado com a maior consideração porque é escritor. Já o autor de novelas é sempre desdenhado. Leva paulada de todo o lado. Acho que a gente merecia mais consideração, como o Verissimo.

ISTOÉ - Que história é essa de ameaças?
Silva - Não tem nada a ver com política. Começou com a novela. São pessoas que querem tirar minha paz. Provavelmente, pessoas do meu próprio círculo, não de amigos, claro.

ISTOÉ - Ameaçavam a sua vida?
Silva - Ligavam de madrugada, às vezes, dez ligações em um dia. Criticavam meu cabelo, a aparência física. À medida que a novela foi criando polêmica, começaram a falar: "Você vai acabar no valão."

ISTOÉ - Descobriu de onde vieram as ligações? Pararam?
Silva - Eram feitas de orelhão ou de celular com identidade privada. As do orelhão, descobrimos que eram feitas num trecho que vai da Taquara até o Projac (estúdio da Rede Globo), em Jacarepaguá (subúrbio do Rio). Me leva a suspeitar de relações antigas, ex-empregado. Olha, vou confessar aqui: tenho um suspeito e liguei para o celular dessa pessoa para apurar. Depois da denúncia em meu blog, este celular está sempre desligado. As ligações pararam.

ISTOÉ - O sr. ainda pensa em sair do País e deixar a novela?
Silva - Houve um momento em que pensei: não vale a pena! Mas o trabalho do autor é assim, uma solidão absoluta. A falta de respeito aumenta quando o Ibope da novela sobe.

ISTOÉ - A Globo cobra audiência ou mudanças na novela?
Silva - Não. Não digo isso para puxar o saco. Não preciso. A generosidade da emissora é impressionante.

ISTOÉ - As ameaças podem ter ligação com a abordagem de temas polêmicos na novela, como homossexualismo, racismo, etc?
Silva - Acho que não. Houve um momento que pensei nisso. Existem os fundamentalistas de esquerda. Mas depois percebi que não era por aí.



Texto retirado da Revista Istoé/Cultura

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