quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Quinta e última parte de uma breve história das grandes revistas, que acabou não sendo tão breve assim

Thomaz Souto Corrêa* - 19 de Dezembro de 2005, 11:02

Desculpem a demora, mas pelo menos estou entregando o fim dessa fascinante história antes do fim do ano. É que, ao rever as quatro partes anteriores, me dei conta de que fiz algumas injustiças, deixando de fora no mínimo cinco idéias importantes de revistas de sucesso.

A primeira, por ordem cronológica, nasceu de uma associação científica. Fundada para "fomentar e difundir o conhecimento da geografia", a "National Geographic Society" tinha 33 membros, dos quais elegeu como presidente Gardiner Greene Hubard. Era janeiro de 1888. Em outubro do mesmo ano, Hubard lançou o que chamou de revista, mas que parecia mais um folheto científico, pouco atraente, cheio de texto. A idéia era reforçar a missão da associação com uma revista. O primeiro número teve 200 exemplares, equivalente ao número de sócios, que Hubard endereçou a mão, um a um.

A revista The National Geographic Magazine não teve periodicidade fixa até janeiro de 1896, quando se tornou mensal.

Não andou muito bem de vida até que um jovem jornalista de 23 anos de idade assumiu o cargo de diretor de redação. Chamava-se Gilbert Hovey Grosvenor, ficou 65 anos à frente da revista, e moldou a personalidade editorial da publicação, cuja fórmula inédita transformou em uma das maiores revistas do mundo, em todos os tempos.

Para se ter uma idéia do ineditismo, foi National Geographic a primeira revista usar fotos pintadas à mão, em 1910; e a primeira, a usar fotos coloridas, em 1914. Seu maior feito foi mostrar, primeiro para os leitores americanos, depois para os de outros países, partes do mundo jamais sonhadas por alguém. E o fazia com um padrão de qualidade de imagem e de reportagem que até hoje ninguém conseguiu superar.

A grande idéia seguinte foi The New Yorker, criada por Harold Ross em 1925. Nasceu com grande vocação literária. Tinha um time quase fixo de grandes escritores, entre os quais John O'Hara, John Updike e J.D.Salinger. Até hoje, The New Yorker é uma das poucas revistas que continua a publicar ficção e poesia em todas as edições.

Ross era um homem rude, mal educado, que perguntava na redação: "Moby Dick é o nome da baleia ou do homem?" Mas sabia exatamente o que queria: uma publicação sofisticada e bem humorada. Detestava o que chamava de "tapeação". Criou uma revista cujo prestígio sempre foi maior do que a própria circulação. Credita-se a ele a invenção do gênero que hoje chamamos de "perfil".

Com Ross, e com seu sucessor William Shawn, The New Yorker estabeleceu um patamar de estilo e de reportagem inigualável. Sua última façanha aconteceu em maio de 2005, quando furou toda a imprensa americana, ao publicar uma reportagem de seu conhecido e premiado repórter Seymour Hersh, sobre a tortura dos presos iraquianos nas prisões de Abu Ghraib.

A terceira é Esquire, lançada em Nova York no ano de 1933, por um senhor muito elegante chamado Arnold Gingrich. Arnold era o editor de uma revista profissional de moda masculina. Devido ao grande sucesso dessa publicação, os donos pediram a ele que pensasse numa revista de consumo, mas que tivesse como ingrediente principal a moda masculina.

Arnold fez muito mais do que uma revista de moda para cavalheiros. Ele decidiu que a revista tinha que ter ficção, e publicou os melhores escritores americanos da época: conquistou Hemingway (dizem que num duelo etílico

ganho por Arnold, uma verdadeira proeza, considerando o que Hemingway bebia...), que por sua vez trouxe Faulkner, Scott Fitzgerald, Nabokov, Truman Capote, e tantos outros da mesma importância.

Fez mais ainda: tornou a revista o padrão de elegância não só em roupa, mas o referencial de estilo de vida e de bom gosto, que serviu de inspiração principal para o homem americano afluente daquela época. Mostrava os carros de luxo, os drinques da moda, a gastronomia sofisticada, as novidades do jazz...

Esquire passou por diversas fases em sua longa existência de mais de 70 anos de vida. Nos anos 60, o então diretor Harold Hayes admitiu que nem ele, nem o diretor de arte Roberto Benton sabiam fazer capas. Tomou então uma corajosa decisão: convidou o mais criativo publicitário da época, George Lois, para "reinventar" o conceito de capa de revista.

Começando em outubro de 1962, Lois criou mais de 90 capas para Esquire. Nenhuma passou despercebida. Eram irreverentes, ou cruéis, ou lindas, ou inesperadas algumas consideradas até de mau gosto , mas nenhuma revista americana da época chegou perto da repercussão, edição após edição, das capas de Esquire.

Nenhuma história das idéias que produziram grandes revistas pode ignorar a espanhola Hola!. Nascida em 1944 como uma revista de amenidades, idealizada por um jornalista chamado Antonio Sanchez Gomez, e paginada pela mulher Mercedes, transformou-se na revista que durante muito tempo foi a mais vendida na Espanha, mostrando histórias de famílias reais européias e das celebridades internacionais.

Foi de Hola!, hoje dirigida pelo filho do fundador, Eduardo, a idéia de mostrar a intimidade das casas das celebridades. E seus namoros, noivados, casamentos, viagens de lua-de-mel, separações e novos amores. Basta olhar as revistas atuais de celebridades, no mundo ocidental, para reconhecer a fonte de onde beberam.

People, lançada em março de 1974, inaugurou o jornalismo de personalidades nos Estados Unidos. Só que, ao mesmo tempo, publicava também histórias humanas de personagens desconhecidos. Segundo sua fórmula editorial, a revista contaria "feitos ordinários de pessoas extraordinárias, e feitos extraordinários de pessoas ordinárias".

People inovou na maneira respeitosa com quem tratava as personalidades, o que era essencial para se diferenciar das revistas escandalosas da época. Até hoje a revista mantém essa atitude garantindo seus três milhões e meio de exemplares semanais, apesar de toda a concorrência aparecida nos últimos anos. Além disso, é a revista americana de maior faturamento publicitário, o que a faz também uma das mais lucrativas.

Richard Stolley, o primeiro diretor de People, cunhou a lei que levou seu nome, e que definia quem funcionava melhor na capa da revista: "Jovem é melhor do que velho. Bonito é melhor do que feio. Rico é melhor do que pobre. Cinema é melhor do que música. Música é melhor do que televisão. Televisão é melhor do que esportes... e qualquer coisa é melhor do que política". Posteriormente, ele acrescentou: "E nada é melhor do que a morte de uma celebridade..."

Adaptada para hoje, talvez televisão viesse antes de música, e música antes de cinema, mas as outras considerações permaneceriam imutáveis.

Vamos finalmente falar de Brasil. Quais foram as idéias realmente inovadoras? Reconheço no mínimo três. Já contei um pouco da história de O Cruzeiro, que era semanal ilustrada antes que se consagrasse a fórmula de Life. A fórmula tupiniquim foi fruto da visão de seu fundador, Assis Chateaubriand, proprietário da maior cadeia de jornais que já existiu neste país. Como distribuía seus jornais em bancas pelo Brasil inteiro, O Cruzeiro nasceu com rede de distribuição garantida.

Mas foi uma grande revista por ter juntado uma equipe de bons jornalistas e fotógrafos e de notáveis. Seus redatores eram os grandes nomes da literatura e das artes plásticas daquela época. Morreu quando essa equipe se desfez, quando entrou a concorrência de Manchete, muito mais colorida, mas ao mesmo tempo com gente muito boa na redação, entre as quais o grande revisteiro Justino Martins.

Juntar equipes importantes sempre foi uma das razões de sucesso das grandes revistas. Duas outras revistas, ambas mensais, desenvolveram fórmulas editoriais muito originais graças a seus fundadores e aos times que eles montaram.

A primeira, se chamou Senhor, viveu de 1959 a 1964, e foi inventada por um brilhante editor chamado Nahum Sirotsky, que hoje vive em Israel.

Nahum fez uma revista linda e inteligente. Chamou os melhores textos, ilustradores, fotógrafos e artistas gráficos do Rio de Janeiro daquela época, e fez uma revista com gosto de uma Ipanema que ainda não havia virado internacional, mas onde a vida boêmia nos bares e botequins juntava músicos, escritores, jornalistas, artistas plásticos, que fizeram naquela época o maior centro de efervescência cultural da história do Brasil.

A segunda revista nasceu quase por acaso. Roberto Civita queria fazer uma revista para ser encartada em jornais de domingo. Fez um acordo com a Folha e o JB, mas quando estava tudo pronto para começar, a Folha deu para trás e o projeto morreu. Roberto foi ver o pai, Victor Civita, fundador da Editora Abril, para contar a triste história, e terminou com a clássica pergunta: "E agora, o que é que eu faço?"

"Faz uma revista", respondeu o pai. E assim nasceu Realidade. Mas Roberto também tinha uma revista na cabeça. Chamou um time de excelentes repórteres, fotógrafos excepcionais, alguns deles americanos esperando uma oportunidade assim para fotografar o Brasil.

E fez uma revista com um design gráfico que realçava o impacto do jornalismo praticado pela revista. Realidade era uma revista de grandes reportagens, tratando de temas que eram tabus no Brasil dos anos 60. Desapareceu quando os temas deixaram de ser tabus, e passaram a ser tratados normalmente pela imprensa brasileira.

Termina aqui a história das idéias das grandes revistas. Tentei falar somente daquelas cujas fórmulas foram inovadoras, criando modelos que ainda estejam em circulação. Por isso não entram na lista uma porção de grandes títulos de revistas conhecidas e lucrativas.

Uma outra consideração é o predomínio de revistas americanas, e isto aconteceu por duas razões: a primeira, é que há efetivamente uma concentração de revistas de sucesso no mercado americano; a segunda, é que os americanos escreveram a história de suas revistas, e eu não encontrei em nenhum lugar do mundo ocidental a história das revistas européias, por exemplo. Há alguns poucos livros com a história de algumas revistas de sucesso, mas cada obra dedicada a uma publicação, não a história geral do meio.

Conto sempre esta história para mostrar que, a todos esses revisteiros e revisteiras, devemos a pujança do mercado editorial de revistas, no mundo inteiro. Foram eles que, sem nenhuma pesquisa de mercado, inspiraram a maioria dos títulos que conhecemos hoje. Foram inovadores e pioneiros porque confiaram na intuição e na certeza de que estavam fazendo publicações que o público iria gostar e comprar.

Porque é esta a única medida de sucesso para qualquer revista: o leitor gostar. Revistas fecham quando o leitor deixa de gostar. Daí o nosso maior desafio: manter nossas revistas interessantes e relevantes, antenadas e atualizadas, bonitas e bem cuidadas, e sempre, sempre, indispensáveis para quem as lê.

(*) É membro do Conselho de Administração, VP do Conselho Editorial e Consultor para Revistas do Grupo Abril.


Texto postado por Marcello Dantas

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